23 de dez. de 2019

Sermão: O impasse de José (Mt 1,18-25)

Igreja Presbiteriana Unida de Campo Grande
4º domingo do Advento (22 dez. 2019)
Cor litúrgica: Branco

Leitura do Antigo Testamento: Isaias 7, 10-16
Leitura do Novo Testamento: Mateus 1, 18-25

Estamos no 4º domingo do Advento, e Advento é o tempo em que enchemos os nossos corações de esperança para a chegada do menino Jesus, o Emanuel, o Deus que decide se tornar humano; o Senhor da história que decide se tornar um ser histórico assim como nós somos seres históricos; um Deus que caminha no mesmo chão que o nosso e que por isto é solidário as nossas dores e angústias. O Evangelho de Mateus situa muito bem esta dimensão histórica de Jesus, e nos versículos anteriores ao que nós lemos, podemos ver uma genealogia que se inicia com Abraão. A encarnação não se dá no vazio, mas na história da humanidade. O Deus que agiu no passado continua agindo hoje! A mensagem que o 4º domingo do Advento tem pra nós é que a profecia de Isaias se cumpriu em Jesus, Deus se encarnou, Jesus é o Emanuel, Deus conosco.


Mas quem disse que a encarnação de Jesus iria ser tranquila, sem tensões, sem dificuldades? O texto lido nesta noite aponta para uma destas tensões envolvendo a encarnação de Deus.

José não sabia do que nós falamos aqui, de que Jesus é a esperança do mundo, de que Jesus é o Deus que se encarna na história... Não! José era apenas um homem do seu tempo, noivo de uma jovem e seguindo o curso natural da sua vida. E José é o foco do texto de hoje. Mas por que falar de José? Porque ao contrário do evangelho de Lucas que narra o nascimento de Jesus a partir da ótica de Maria, o evangelho de Mateus que é o evangelho com o qual nós iremos refletir neste ano litúrgico que se inicia, se destinou a uma comunidade de pessoas com fortes antecedentes judaicos, em que o homem era o centro e mais que isto, o homem era o sujeito social naquela época.

José era noivo de Maria, ou seja, já havia um contrato de casamento entre as famílias, porem eles ainda não viviam juntos. O noivado naquela época era um período de transição entre a mulher estar sob a tutela do Pai e estar sob a tutela do Marido. E eis que antes de Maria estar definitivamente sob a tutela do Marido – ou seja, de morar com o marido – aparece grávida e José sabe que ele não é o pai. E José era um homem justo e fazia o que era direito. E aí que mora o perigo. Porque ser justo para um judeu é cumprir a lei. 

Deuteronômio 22, 20-21 diz o seguinte: Mas, se for provado que a moça não era virgem, aí os líderes a levarão para perto da porta da casa do pai, e os homens da cidade a matarão a pedradas. Ela fez uma coisa vergonhosa no meio do povo de Israel: antes de casada e enquanto ainda vivia na casa do pai, ela teve relações com um homem. Assim vocês tirarão o mal do meio do povo de Israel.

Era isto que um homem justo, um cidadão de bem daquela época deveria fazer. Entregar a mulher e esta entrega poderia culminar em morte por apedrejamento. Mas José deve ter tido um pouco de compaixão de Maria e não quis difamá-la, ele pensou em só desmanchar o contrato de casamento. Assim ele abriria mão dos seus direitos enquanto noivo e deixava Maria livre pra casar com o pai da criança, ou ser mãe solteira e viver sob o estigma de ser uma mãe solteira, o que naquela época faria com que ela e a criança sofressem consequências terríveis, mas pelo menos eles iriam viver.

A gente que está deste lado da história já sabe que Maria engravidou por ação do Espírito Santo, mas quem tava ali vivendo a situação não. José não sabia. 

Agora vamos inverter o olhar que nós estamos tendo até agora para o texto. E Maria? Pensemos na angústia de Maria ao se ver grávida, sem ter muito o que dizer pro noivo, sem ter o que dizer para os pais e para a sociedade, afinal se ela falasse que estava grávida por ação do Espírito Santo, não iria colar. E infelizmente nas sociedades patriarcais o corpo e a sexualidade das mulheres pertencem ao homem.

Maria estava nessa situação profundamente angustiante, podemos dizer entre a vida e a morte, necessitando de um milagre, de uma intervenção divina. Então o Anjo do Senhor aparece para José em sonho e diz o que está no v. 20-21: José, descendente de Davi, não tenha medo de receber Maria como sua esposa, pois ela está grávida pelo Espírito Santo. Ela terá um menino, e você porá nele o nome de Jesus, pois ele salvará o seu povo dos pecados deles.

Então José que vivia um impasse entre ser um homem justo conforme a lei, mas ao mesmo tempo amar Maria, fica sabendo que o menino que Maria tem no ventre iria ser o Salvador do povo. Então José assume o risco por amor, deixando em segundo plano o que as pessoas vão dizer ou pensar e acolhe Maria e seu filho, e por este ato introduz Maria e Jesus na linhagem de Davi, como narrada na genealogia. 

A encarnação de Jesus é também uma ruptura definitiva com o patriarcalismo, inaugurando uma nova era. Se antes a narrativa era Abraão gerou Isaque, Isaque gerou Jacó, Jacó gerou Judá, ou seja, sempre os homens gerando os seus descendentes... agora já não é mais José quem gerou, mas Maria quem gerou Jesus, o nosso Salvador.

O natal se aproxima, época em que o amor se faz presente, as famílias se reúnem apesar das dificuldades, dos conflitos, época em que o nosso coração se enche de expectativa e esperança pelo que está por vir. 

E o que a gente tira desta história? José assumiu o risco de amar independente do que a lei dizia, independente do que as pessoas iriam pensar e ouvindo a voz do Anjo, ele se colocou do lado da vida. Que ouçamos hoje a voz que nos chama a assumir o risco de amar e nos coloquemos não do lado da morte, mas do lado da vida para que Jesus possa nascer em nossa sociedade hoje. Amém.


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