28 de nov. de 2017

Sermão Dia Internacional da Não Violência Contra a Mulher

Reflexão que partilhei com os irmãos da Comunidade Presbiteriana Unida de Vitória - ES, dia 26 de novembro de 2017.

Leitura: João 8:1-11


INTRODUÇÃO

Quando nos propomos refletir sobre violência contra a mulher, precisamos antes pensar quais seriam essas violências. A declaração da ONU pela eliminação da violência contra a mulher nos dá uma pista de que estas violências podem ser físicas ou sexuais (que seriam as agressões, mutilações, o feminicídio, o estupro, os assédios) e as violências psicológicas, que são mais sutis (incluem ofensas verbais recorrentes, privação de recursos materiais e financeiros, chantagens). O mais triste disso é que as pesquisas apontam que em média 70% a 75% das violências que as mulheres sofrem é violência doméstica, ou seja, é em casa, no lugar onde as pessoas deveriam se sentir mais seguras. E geralmente os autores desses crimes são o marido, o pai, o namorado, o irmão, o tio, o primo, o avô, etc. Ou seja, nós homens somos um risco em potencial.

O texto que lemos, conta à história de uma mulher que foi pega pelos fariseus e mestres religiosos (representantes da moral e dos bons costumes) cometendo adultério, a lei mandava apedrejar quem fosse pego fazendo isto e estes homens estavam dispostos a apedrejar essa mulher até que ela morresse. Então eu separei 3 pontos da atitude de Jesus frente a essa situação que podem nos ajudar enquanto igreja e sociedade a agir de forma parecida com ele frente a situações de violência contra a mulher.


I. Jesus transgride a moral social e religiosa

Eu consigo imaginar, lendo o texto, os homens vindo com a mulher e colocando ela em pé perto de Jesus e dizendo: Esta mulher foi pega em adultério e a lei de Moisés manda apedrejar até a morte quem comete isto! Jesus era um mestre naquela época, ele tinha seus discípulos, ele conhecia a lei... e sabia que os fariseus estavam se referindo à Deuteronômio 22:22-24, que diz que se um homem for pego com uma mulher casada, ambos deveriam morrer. Jesus também conhecia estes homens, ele sabia que os mestres religiosos e fariseus por trás desse suposto cumprimento da lei (suposto porque eles só iriam condenar a mulher e na lei diz que se deveria apedrejar o homem e a mulher) eles estavam apenas querendo perpetuar uma sociedade desigual em que eles detinham o poder.

E Jesus conhecendo a vida desses homens – muitos talvez adúlteros que deveriam morrer de acordo com a lei de Moises – transgride a moral religiosa e social daquela época dizendo: Quem não tiver pecado, que seja o primeiro a atirar. 

Em nossos dias, a violência contra a mulher está relacionada à norma social do patriarcado, que impõe papeis de gênero e diz o que é coisa de homem e o que é coisa de mulher. Por exemplo: no que diz respeito ao trabalho o que é da esfera pública é coisa de homem, e o que é da esfera privada, do lar, é coisa de mulher. O homem é o provedor e a mulher a cuidadora, o homem é racional e a mulher emocional. A princípio podemos dizer que não há problemas em ter diferenças entre homens e mulheres, mas sim quando surgem uma assimetria de poder nas relações.

No meio evangélico, quantas mulheres aguentaram caladas as violências de seus companheiros porque foram ensinadas que o marido é o cabeça? Ou que deveriam ser submissas? Jesus nos convida a questionar essas normas religiosas e refletir se elas estão promovendo a igualdade e a justiça ou apenas oprimindo e sendo usadas para manter uma sociedade desigual.


II. Jesus é solidário com a mulher

Continuando nosso exercício de imaginação. Jesus estava sentado ensinando no templo os homens vêm e colocam a mulher de pé. Então Jesus se levanta e os desafia. Neste ponto eu não quero refletir a fala de Jesus “Quem não tem pecado que atire a primeira pedra”, o que importa é o gesto dele de se levantar e ficar no mesmo nível dela. Não bastasse transgredir a moral religiosa, Jesus, com esse ato se solidariza com a moça. Pela posição que eles estavam talvez se tacassem pedra nela, acertaria em Jesus também... E o fato de Jesus estar ali perto da moça coíbe a ação dos agressores.

E nós como igreja de cristo, como podemos nos aproximar das mulheres para coibir a ação dos agressores? Será que temos interesse e coragem o bastante para desmistificar o ditado de que “Em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”? Nós já demos um passo importante de trazer esta discussão pra esse espaço, ainda mais um tema tabu, que geralmente fica restrito a esfera privada de cada casal, uma vez que ainda há um número alto de denuncias não realizadas. 

Jesus nos convida a ocuparmos o espaço público, nos posicionarmos socialmente e politicamente, criarmos redes de solidariedade e acolhida para as mulheres.


III. Jesus não a condena

Após a solidariedade de Jesus ter coibido a ação daqueles agressores, ele se vira para a mulher e pergunta: “Onde estão os teus acusadores? Ninguém te condenou?” Ela responde: "Não". Jesus diz: “Eu também não te condeno”. Jesus compreendia a sociedade em que ele estava inserido e sabia que qualquer julgamento naquela ocasião, apenas fortaleceria o ciclo de opressão e a ordem patriarcal.

Em nossos dias vemos diariamente a mulher ser julgada. Quando é caso de violência sexual, questionamos se a roupa estava adequada, se o comportamento dela estava adequado, se ela não tinha feito uso de drogas ou álcool, tudo isso para tirar a responsabilidade do homem e culpabilizar a mulher por ter sido violentada. Quando é um caso de violência doméstica dizemos que é dependência emocional, que a mulher que não denuncia é porque gosta de apanhar, responsabilizando a mulher pela permanência na situação em detrimento da responsabilização da nossa sociedade na manutenção dessa lógica: Vejamos alguns motivos que fazem com que a mulher não denuncie e permaneça nessa situação:
  • Medo do marido: muitas mulheres tem medo de não serem ouvidas adequadamente no momento de denuncia e o marido seguir impune, podendo inclusive retalia-las. Por trás desse medo, está a violência do estado que não ouve as mulheres.
  • Medo das dificuldades financeiras: todos nós sabemos que a mão de obra feminina é mais barata, e que os salários são em média 30% menor do que o salário dos homens.
  • Vergonha de ser vista publicamente como mulher agredida: associado também a culpa por ter sido agredida. De certa forma ainda há no imaginário da sociedade a ideia de que ela não tem sido uma boa mulher.

O que podemos perceber é que não podemos responsabilizar a mulher, porque por trás desses motivos existem mais violência, seja do próprio Estado, a violência do nosso modo de produção capitalista, e da nossa cultura.

Creio que enquanto igreja e enquanto sociedade temos muito o que aprender, principalmente no que diz respeito as questões humanas, a diversidade, os relacionamentos, e ninguém melhor pra nos ensinar sobre essas questões do que Jesus. A minha oração é que possamos estar de corações abertos para aprendermos com Ele. 

2 comentários:

  1. Hoje após ter atendido dois casos de violência doméstica, poder chegar em casa e ler um texto dessa qualidade é muito gratificante, e saber que estamos nessa luta, mas não estamos sozinhos. Cristo está ao nosso lado. Obrigada Gui por compartilhar conosco.

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