7 de jun. de 2019

Homilia: Anunciar a boa nova aos pobres (Lc 4,16-21) - SOUC 2019

Homilia proferida dia 06 de Junho de 2019, por ocasião da Semana de Oração pela Unidade Cristã (SOUC 2019) na Igreja Presbiteriana Unida de Jardim da Penha (Vitória/ES).

Leitura: Lc 4,16-21

Introdução

Estamos no quinto dia de celebração na Semana de Oração e o nosso tema de hoje é “Anunciar a boa nova aos pobres”, conforme vimos na leitura do Evangelho de Lucas e coincidentemente, é no evangelho de Lucas que as nossas igrejas tem meditado neste ano litúrgico de 2019 (Ano C). 

Provavelmente o Evangelho de Lucas foi escrito inicialmente para comunidades cristãs que decidiram seguir a Jesus após a ação missionária de Paulo, ou seja, escrito para comunidades com predominância de gentios, pessoas não convertidas ao judaísmo. 

Paulo ia andando por cidades do mundo helênico, cidades como Éfeso, Corinto, cidades importantes para a rota comercial, pregando o evangelho e implantando comunidades nestas cidades. Então, nós podemos dizer que o Evangelho de Lucas foi inicialmente destinado às comunidades com características mais urbanas, talvez para pessoas até com boas condições financeiras. 

E aqui nós podemos fazer até uma analogia com esta comunidade aqui que nós estamos, que está situada em um bairro privilegiado da cidade de Vitória, que por sua vez é uma cidade rica e faz parte de uma importante rota comercial, com ferrovias e com o porto.
Mas cidades são marcadamente lugares que geram muitas desigualdades econômicas, com muitos pobres e muita violência com os pobres, não é a toa que o apóstolo São Paulo adverte aos irmãos da comunidade de Corinto acerca da Ceia Eucarística, pois naquela época a mesa do Senhor era composta pelos alimentos trazidos pelos membros da comunidade, e irmãos que tinham mais posses, ficavam em um canto e se apressavam pra comer a própria ceia, pra não terem que dividir com os mais pobres.

As cidades também evidenciam as relações assimétricas entre homem e mulher, o mundo Greco-romano desprezava a fala e o testemunho das mulheres. Por exemplo os caminhantes de Emaús, que caminhavam tristes pela morte de Jesus, o nazareno, mesmo depois do testemunho das mulheres que viram o túmulo vazio. O testemunho das mulheres não significava nada, e Lucas faz questão de evidenciar isto. É interessante que em Lucas o anjo faz o anúncio à Maria, e não pra José como em Mateus. 

Suspeito que é por estes motivos que Lucas vai colocando sempre em destaque o pobre, o último, a mulher... o proscrito, aquele que a sociedade despreza, aquele que está a margem, porque é isto que as cidades precisam aprender, é com estes que os cristãos urbanos (como nós) precisam se preocupar.

Boa nova aos pobres

O texto do Evangelho lido esta noite é bem claro acerca do programa de Jesus. Ele narra a ida de Jesus para Nazaré, uma cidade bem periférica em relação ao centro político e religioso da época, que era Jerusalém, provavelmente uma cidade com muitos pobres e lá ele vai à uma sinagoga e faz a leitura de Isaías 61, versiculos 1 e 2, que diz “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres”.

O que é boa nova para os pobres senão o fim da pobreza? Senão o direito de fazer ao mínimo as 3 refeições diárias? Senão o direito a uma moradia digna, direito a emprego digno? 

Temos que ter cuidado para não espiritualizar demais o texto e achar que anunciar a boa nova aos pobres é apenas catequizar os pobres, converter os pobres. 

O anúncio da boa nova é acompanhado por acontecimentos concretos e trazem consequências práticas para a vida e para a sociedade. O teólogo presbiteriano Richard Shaull, que aliás, completaria 100 anos este ano se estivesse entre nós, e cujo a teologia é muito importante pra Igreja Presbiteriana Unida, dizia na década de 1950 que os cristãos tinham que parar com a ideia de que a única vocação cristã era o ministério a vivência dentro dos templos, mas que era necessário que os cristãos ocupassem os espaços da sociedade, as fábricas, os sindicados, os movimentos sociais.

Destaco quatro consequências do anúncio da boa nova aos pobres:

A primeira é que quando a boa nova é anunciada aos pobres, acontece a libertação dos presos. A grande maioria das pessoas presas, estão lá em consequência da nossa sociedade injusta, desigual e provoca a exclusão (principalmente os pretos, os mais pobres e periféricos). E aqui é importante a gente perceber que se a sociedade se torna mais justa e mais igualitária, as prisões se esvaziam. Nós cristãos não devíamos ficar espantados quando vemos no facebook que na Holanda e na Suiça as prisões são fechadas porque não tem mais preso. Ora, há dois mil anos atrás Jesus disse que se há justiça para o pobre, não há mais presos.

O segundo acontecimento que vem com o anúncio da boa nova é a recuperação de vista aos cegos. E pra entender o significado disto, eu recorro ao teólogo alemão J. Jeremias, que foi um grande pesquisador do oriente antigo, que vai dizer que a expressão “Dar vista aos cegos” é um antiquíssimo ditado oriental que indica a chegada tempo de salvação, o fim do sofrimento. Para o pensamento da época de Jesus, ser paralítico, ser cego, ser leproso e não poder ter filhos, era equivalente a estar morto, pois a situação dessas pessoas naquela época não podia ser chamada de vida. A boa nova traz dignidade para as minorias, para aqueles e aquelas que não tem dignidade e vida para os que não tem vida.

Terceiro: A boa nova traz também liberdade aos oprimidos e oprimidas, pessoas que estão sob o jugo de alguma tirania, seja política, social, afetiva, de gênero... Não tem espaço para dominação do mais fraco pelo mais forte no Reino de Deus!

Por fim, Jesus anuncia o ano da graça do Senhor, e o ano da graça ao qual Jesus se refere é o ano do Jubileu descrito em Levítico 25 e que fazia parte da tradição do antigo Israel. O ano do Jubileu acontecia a cada 50 anos e era um mecanismo de minimização da desigualdade. No ano do jubileu as dívidas eram perdoadas, os escravos eram libertados e as terras eram redivididas. 

Outro aspecto interessante nesse contexto do ano do jubileu é o ano sabático para a terra, também mencionado em levítico, que acontecia de 7 em 7 anos. Depois de 6 anos de cultivo, a terra deveria descansar no sétimo ano. O ano da graça também aponta para o cuidado que devemos ter com a casa comum, a nossa mãe terra. A exploração da terra e destruição dos ecossistemas, o uso inconsequente dos recursos naturais, que objetivam apenas o lucro imediato é abominação aos olhos de Deus.

Dito isto, a conclusão imediata que tiramos é ano da graça era um alívio para a terra e para os pobres. Eram estes que ficavam alegres com a chegada do ano do jubileu, não eram os ricos, os que exploravam todos os recursos da terra e concentraram riquezas e teriam que dividi-la. Eram os pobres que se alegravam. 

Assim também é a mensagem do Cristo, ela é esperança e motivo de alegria para quem precisa e que são muitos, mas é incomodo e motivo de ira para outros.

Considerações finais

Será que é este Cristo dos evangelhos que nós confessamos quando nos dizemos cristãos, ou será que nós precisamos criar um outro Cristo para nos manter na nossa zona de conforto?

A mensagem do Reino de Deus implica que nós lutemos pela transformação concreta da sociedade, pela diminuição da desigualdade, pela humanização das relações, pela dignidade de todos e todas, pelo bem estar da terra e por uma sociedade que reflete a glória, a justiça e principalmente o amor de Deus. 

Paulo vai dizer na sua primeira carta aos Coríntios que “Nós somos colaboradores de Deus” (1Co 3,9). O mesmo Espírito que estava em Jesus, anunciando o cumprimento da Escritura é o mesmo Espírito que está em nós através do nosso batismo comum (feito em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo) e que nos leva a proclamar as boas novas aos pobres, tanto em palavras, como em atos.

A minha oração, é para que as palavras do profeta Isaías proclamadas por Jesus em Nazaré, sejam cumpridas a cada dia entre nós, entre os que nos ouvem e em nossa sociedade.

Amem!

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Seminarista Guilherme de Freitas

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