17 de set. de 2018

Setembro Amarelo: Ser aquele(a) que acolhe

Reflexão que partilhei com as/os irmãs/os da Segunda Igreja Presbiteriana Unida de Vitória - ES, dia 16 de setembro de 2018.

Leitura: Lucas 10, 25-37

Introdução

Este texto narra um episódio que surge de uma provocação de um especialista na lei, que segundo Lucas tem como intenção tentar Jesus, mas Jesus aproveita esta oportunidade para expor a mensagem do reino de Deus. O diálogo se inicia com o escriba perguntando a Jesus o que era necessário fazer para herdar a vida eterna. É uma pergunta que muitas pessoas fazem em nossos dias: o que eu preciso fazer para herdar o céu, para herdar a vida eterna? Então Jesus sabendo que se tratava de um interprete da lei, pergunta o que a lei dizia e como o escriba interpretava o que estava escrito. O escriba respondeu: Ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma, de todas as suas forças e de todo o seu entendimento e ame o seu próximo como a si mesmo. E Jesus diz: Correto! Faça isto e viverás. Observemos que Jesus não diz “Faça isto e terás a vida eterna”, mas “faça isto e viverás”. A conversão que Jesus propõe é que deixemos de nos preocupar apenas com o céu e com a vida futura e passemos a nos preocupar com os desafios do nosso cotidiano aqui na terra. Aqui e agora! Faça isto e viverás! Ame a Deus e ao próximo e tenha uma vida plena de sentido!

Mas esta resposta gera um incômodo. E o escriba pergunta: Quem é meu próximo? Então Jesus conta a tão conhecida parábola do bom samaritano. Esta parábola, como lemos, diz de um homem que foi assaltado no caminho entre Jerusalém e Jericó, foi espancado e deixado sem roupa. Um sacerdote viu o homem desmaiado e passou do outro lado, o levita fez a mesma coisa e apenas um samaritano que estava em viagem foi capaz de acolher o homem. 

E quem é este homem que Jesus diz que é o próximo e que devemos acolher para termos uma vida plena de sentido? 

O próximo é alguém que, por estar desmaiado, não tem voz, não pode dizer de onde vem e para onde vai, se é rico ou pobre, se tem família ou filhos; é alguém sem identificação, ele está nu, e sem roupas não dava pra saber se era alguém importante ou alguém marginalizado pela sociedade; ele não tinha dinheiro, pois havia sido roubado, ele não tinha mais nada. Mas ele era alguém, ele tinha uma história de vida. Ele, como muitos de nós aqui estava passando por uma situação existencial difícil, uma situação entre a vida e a morte, precisando ser acolhido e cuidado.

Nós estamos no mês de setembro, e desde 2015 há uma campanha de prevenção ao suicídio no Brasil chamada Setembro Amarelo. Segundo dados da OMS de 2014, no mundo mais de 800 mil pessoas tiram a vida por ano. Entre os jovens de 15 a 29 anos o suicídio é a segunda maior causa de morte. 

O teólogo suíço Karl Barth certa vez disse que o cristão deve andar com a bíblia em uma mão e com o jornal na outra, ou seja, o cristão deve estar atento ao que acontece na sociedade e agir conforme nos ensina Jesus de Nazaré. Não basta apenas nos fecharmos em nossas igrejas em uma vida individualista enquanto o mundo espera de nós uma resposta.

Na última segunda-feira (10/09/2018), a terceira ponte ficou parada por mais de oito horas, pois havia um homem querendo se jogar de lá. Um homem provavelmente como o “próximo” que Jesus relata na parábola, um homem sem voz, sem identidade, entre a vida e a morte. E eu li um relato¹ de um motorista de aplicativo que estava na ponte durante este período de tempo. Ele diz que as pessoas gritavam para o homem pular logo e moradores próximos soltavam foguetes em direção ao homem pendurado. Dentre os gritos que ele ouviu, gostaria de destacar alguns:

“se quiser eu te empurro”
“pula daí, macaco”
“ah, se eu tivesse uma arma, eu mandava um tiro daqui mesmo”
“se mata, mas não ferra a minha vida”

Para estas pessoas, o homem pendurado era um obstáculo no caminho delas, assim como na parábola o homem caído era obstáculo para o sacerdote e o levita que passaram ao largo.

Graças a Deus, no final da história, os bombeiros conseguiram resgatar o homem. Mas eu gostaria de refletir com vocês sobre o que Jesus nos ensina a fazer quando nos deparamos com pessoas deprimidas, angustiadas e em profundo sofrimento existencial.

Ser aquele(a) que acolhe

Em nosso meio é comum as pessoas não levarem a sério a depressão e julgarem quem está deprimido. Ouvimos que depressão é frescura, ou que cristão não fica deprimido. Porém, na Bíblia encontramos inúmeros exemplos de pessoas que sofreram com o que hoje nós chamamos de depressão. 

O profeta Elias, se sentindo ameaçado e sozinho, passando por um momento difícil, vai para debaixo de uma árvore e pede a morte a Deus (I Reis 19:1-8). Jonas, após ter pregado em Nínive e ver todo povo ter se arrependido, perde o sentido de viver e pede que Deus o tire a vida dizendo “melhor a morte do que a vida” (Jonas 4:3). O apóstolo Paulo, narrando a perseguição sofrida na Ásia diz que chegou a desesperar da própria vida (2 Coríntios 1:8). O próprio Jesus, no Getsêmani, antes de ser preso, sai pra orar e fica angustiado, e diz “minha alma está triste até a morte” (Marcos 14:34).

Inúmeros Salmos foram escritos por pessoas deprimidas e profundamente angustiadas. O salmista no Salmo 130 diz: “Das profundezas clamo a ti, Senhor”. No Salmo 102 o salmista fala da sua angustia apondo sintomas que atualmente associamos a depressão: “Pisoteado como a relva que perde a força, assim está o meu coração, e até esqueço de comer o meu pão” (v. 5) ou seja, o salmista se sente fraco, perde o apetite; “Passo a noite em vigília, sou como pássaro solitário no telhado” (v. 8), ele perde o sono, se sente solitário...

O primeiro passo antes de acolher aquele ou aquela que está necessitando de ajuda é a aceitação, reconhecer a legitimidade do sofrimento do outro. Sem julgar, sem achar que é frescura, sem achar que é demônio, sem cobranças como “você precisa reagir”, mesmo sem entendermos os motivos que o fizeram chegar nesta situação, é necessário uma postura de empatia. O samaritano não quis saber os motivos que fizeram o homem estar ali desmaiado e sem roupa, ele simplesmente interrompeu a sua viagem, acolheu e cuidou.

O segundo passo é o cuidado. O samaritano se aproxima e cuida das feridas do homem. Uma pessoa que está em sofrimento precisa ser cuidada. Quando se trata de depressão, nós podemos cuidar ouvindo a pessoa, nos importando com ela. Seja paciente, às vezes a pessoa vai demorar a aceitar ajuda, mas demonstre preocupação. Persista! A depressão ao contrário da tristeza não é algo que passa rápido, com poucos dias. Chame a pessoa pra sair da cama, dê uma volta com ela, leva ela pra praia, ou pro parque... o contato com a natureza pode ajudar nestes casos. Se a pessoa não quiser, respeite e pergunte a ela como você pode ajudá-la.

Por fim, ajude essa pessoa a procurar uma ajuda profissional. Aqui em Vitória, as Unidades de Saúde tem psicólogos. Se ofereça pra marcar uma consulta pra pessoa, ou vá com ela. O samaritano reconheceu a sua limitação de prestar todo auxilio necessário naquele momento e levou o homem a uma hospedaria. Uma pessoa com depressão, precisa de ir ao médico e ao psicólogo. Não adianta acharmos que sozinhos vamos dar conta de resolver os problemas. 

Encerro desafiando esta comunidade a ouvir o ensinamento de Jesus a sermos como o bom samaritano, acolhendo e cuidando das pessoas em situação de sofrimento. 

Amém!

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