18 de ago. de 2015

Abordagem Gestáltica #3: Mecanismos Neuróticos

Considerando que a Gestalt-terapia é uma abordagem fenomenológica, quando falamos de neurose não falamos de estrutura, mas de doença, modos não saudáveis do organismo funcionar.

Na abordagem gestáltica o indivíduo é uma função do campo organismo/meio. Do mesmo modo que o meio está em constante mudança, espera-se de um individuo saudável que ele consiga acompanhar esta mudança, caso contrário surge a neurose. “Quando o individuo está cristalizado num modo de atuar obsoleto, fica menos capaz de ir ao encontro de qualquer de suas necessidades sociais.” (PERLS, 2011, p. 40).

Segundo Perls (2011), um indivíduo bem integrado é aquele que consegue estar em íntimo contato com a sociedade, sem ser afastado dela nem ser engolido por ela. É autossuficiente, pois conhece os limites de contato entre ele e o meio. Quando ele desconhece esses limites e passa a ser subjugado ou moldado passivelmente pela sociedade, temos um neurótico.

O desequilíbrio surge quando indivíduo e meio tem necessidades diferentes e o indivíduo é incapaz de perceber qual é a dominante. A neurose opera através de cinco mecanismos.

Introjeção

Para que aconteça crescimento, o organismo precisa assimilar o alimento, mastiga-lo, separar em partículas para que consiga digeri-lo. Se o organismo engole por inteiro, possivelmente não irá assimilar nada do alimento e a tendência é que saia do modo que entrou. Neste caso a pessoa não se apropria do alimento, ele continua sendo algo do meio, ainda que dentro do organismo.

Psicologicamente, introjeção é quando uma pessoa incorpora passivamente ideias, valores, preconceitos, modos de agir, etc. do ambiente. 

De fato, crescemos ouvindo os adultos dizerem o que deveríamos fazer. Esses “deveria” geralmente não estão congruentes com o que sentimos e nos deixa pouco confiantes sobre se o que sentimos é de fato positivo e acreditamos erroneamente que só o que vem de fora que é bom. O resultado disto são as grandes quantidades de energia que gastamos pra nos mantermos minimamente satisfeitos nessas condições.

Acontece também de introjetarmos valores opostos, exemplo: “Todos são inocentes até que se prove o contrário” e “Não se deve confiar em ninguém”. Quem introjeta dois valores opostos imobiliza a personalidade, impedindo seu crescimento e desenvolvimento.

Para que uma pessoa comece a desfazer suas introjeções é importante que ela sempre fale por si, em primeira pessoa. É importante que fale também sobre suas crenças e depois tente avaliar o quanto destas crenças são vindas de outras pessoas e se ela realmente crê deste modo.

Projeção

A projeção é o oposto da introjeção. Se na introjeção o organismo mantém em si algo que é do meio, na projeção ele mantém no meio algo que é seu.

Falamos que na introjeção os nossos próprios sentimentos são vistos como inadequados, ruins, errados. “Para resolver este dilema ele não reconhece seu próprio ato perturbador, mas em vez disso o liga a outra pessoa, certamente não a si mesmo. O resultado é a cisão clássica entre suas características reais e o que ele tem consciência a respeito delas.” (POLSTER; POLSTER, 2001, p. 93).

Um exemplo citado por Perls (2001) é de um homem frio, arrogante e reservado que acusa os outros de não serem amigáveis. Polster e Polster (2001:94) dão o seguinte exemplo:

“Uma mulher estava sofrendo muito com a ansiedade debilitante a respeito de seu chefe. Sentia que ele queria acabar com ela, visto ela ser tão inteligente, e ele não podia suportar um mulher com sensibilidade cuja abordagem mais sábia perante o seu trabalho apenas perturbaria a dominação e a preguiça dele. Percebi que o desejo dela, de dominar, e a preguiça dela, desejando que as coisas fossem feitas a seu modo, sem luta ou sem criatividade, exageravam as vibrações dolorosas entre ela e o chefe.”

Em alguns estágios de projeção em que a pessoa está muito alienada é importante muito cuidado da parte do terapeuta, pois qualquer questionamento pode ser visto como perseguição. 

“Neste estágio, a pessoa que projeta experiência as pessoas como estando ou contra ou a seu favor. Qualquer sugestão que confronte o indivíduo com a retomada de suas próprias características é rechaçada tão intensamente que pode deixar o terapeuta sem ação. A confiança se torna indispensável aqui, porque existe apenas um espaço estreito em que o terapeuta pode se movimentar para restabelecer a autoconsciência do paciente sem passar para o lado do inimigo. Uma pessoa nessa posição precisa que sua perspectiva seja apreciada independentemente de qual possa ser a verdade. Qualquer terapeuta que não experiencie autenticamente essa apreciação irá encontrar resistência. A retomada do material projetado precisa vir do apoio experienciado, ou não virá de modo nenhum.” (POLSTER; POLSTER, 2001, p. 94).

Um modo de tratar alguém que usa muito da projeção é pedir pra ele fantasiar sobre si mesmo fazendo o que ele critica no outro, a fim de diminuir as distancias entre como ele se vê e como ele realmente é.

Retroflexão

Na retroflexão o individuo abre mão de influenciar o ambiente e se fecha em si próprio, abrindo mão de interações interpessoais. Ele retroflexiona um comportamento quando volta contra si o que gostaria de fazer com outra pessoa ou quando faz para si o que gostaria que outros fizessem.

Um exemplo de retroflexão é uma pessoa que despende uma grande quantidade de energia para se sentir confortável sozinha em sua casa, pois não consegue se socializar, arrumar amigas(os) ou namorados(as).

É claro que em alguns momentos a retroflexão é necessária. Polster e Polster (2001:98) dão um exemplo e em seguida fazem um comentário que nos ajuda a esclarecer melhor:

“Por exemplo, uma mãe pressiona seus punhos fechados contra sua testa, e, ao fazê-lo, impede-se de espancar brutalmente seu filho. A retroflexão só se torna caracterológica quando se transforma num confronto estacionário crônico entre energias mutuamente opostas dentro do indivíduo. Então a suspensão originalmente saudável da ação espontânea, temporal e sábia, se cristaliza numa resignação congelada.”

Pensar também é um ato de retroflexão, pois é um modo de falar consigo mesmo. Porém o pensar excessivo pode estagnar o sujeito e impedi-lo de se mover, novamente fechando-se em si mesmo.

“Para desfazer a retroflexão é necessário voltar para a autoconsciência que acompanhou seu início. A pessoa precisa, mais uma vez, tomar consciência de como se senta, como abraça as pessoas, como range os dentes etc. Quando ela sabe o que está acontecendo internamente, sua energia é mobilizada para buscar saída na fantasia ou na ação.” (POLSTER; POLSTER, 2001, p. 102).

Deflexão

Agir com deflexão é tentar entrar em contato sem investir a quantidade de energia necessária para realizá-lo efetivamente. A pessoa retira o calor do contato, fala em rodeios, não estabelece contato visual, continua a interação, mas desviando do assunto principal, debocha do que a pessoa diz, etc.

Todavia em alguns casos a deflexão pode ser útil. “Se eu o insulto com palavrões no auge de minha raiva, isso não caracteriza necessariamente meus sentimentos permanentes a seu respeito. Confiança, tempo e conhecimento íntimo entre as pessoas farão uma ponte sobre esses momentos, mas sob circunstâncias em que eles não estejam disponíveis, pode ser sábio e necessário defletir a raiva.” (POLSTER; POLSTER, 2001, p. 103).

Nestes exemplos de deflexão citados, onde a pessoa interage tirando a intensidade do contato e mantendo o objeto a deflexão é modal. A deflexão objetal é quando a pessoa tira a intensidade do contato e muda o objeto[¹], por exemplo: Um colaborador de uma empresa ficou muito chateado, pois não recebeu o aumento que achou que merecia. Ao invés dele conversar com seu chefe e explicar seus motivos, ele conversa com a esposa.


Confluência

Uma pessoa está em confluência quando não há barreira entre ela e o mundo, assim como os recém nascidos que não distinguem a diferença entre si mesmo e o outro. Ela age assim – exigindo semelhança e tentando minimizar as diferenças – pois tem uma dificuldade de lidar com situações inesperadas, novidade e alteridade.

A confluência é muito comum em relacionamentos familiares, quando os pais exigem que os filhos sejam como eles. Em organizações religiosas em que o líder é bastante ditador, geralmente também não há espaço para a diferenciação. Segundo os Polster (2001), a culpa é um sinal de que a confluência foi perturbada. 

O individuo que costuma agir por confluência gasta pouca energia com escolhas, pois seguir a correnteza é cômodo. Ela pode até não querer ir nessa direção, porém o meio em que está inserido valoriza determinadas escolhas e ele acaba aceitando.

“Os antídotos para a confluência são o contato, a diferenciação e a articulação. O indivíduo precisa começar a experienciar escolhas, necessidades e sentimentos que sejam seus e não tenham de coincidir com os das outras pessoas. Ele precisa aprender que pode encarar o terror de ser separado dessas pessoas e ainda permanecer vivo. Perguntas como ‘O que você sente agora?’, ‘O que você quer agora?’, ou ‘O que você está fazendo agora?’ podem ajudá-lo a focalizar seus próprios objetivos.” (POLSTER; POLSTER, 2001, p. 108).

Para concluir...

Podemos dizer que o introjetivo faz como os outros gostariam que ele fizesse, o projetivo faz aos outros o que ele acusa os outros de fazerem, o retroflexivo faz consigo o que gostaria que os outros fizessem ou como gostaria de agir com os outros, o deflexivo não consegue atingir o outro e o indivíduo em confluência não sabe quem está fazendo o que a quem.

Neste texto já podemos perceber como os mecanismos estão interligados entre si, de modo que dificilmente uma pessoa utiliza apenas um desses mecanismos.

Nota
[¹] Prof. Alexandre Kaitel, em aula ministrada 22/08/2015 no curso de Psicologia da PUC/MG.


Referências

PERLS, Fritz. A abordagem gestáltica e a testemunha ocular da terapia. Rio de Janeiro: LTC, 2011.

POLSTER, Erving; POLSTER, Miriam. Gestalt-terapia integrada. São Paulo: Summus, 2001.



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