Me reconheço enquanto protestante histórico e para explicar melhor vou começar falando um pouco do protestantismo norte-americano.
No final do séc. XIX e início do séc. XX, como reação à influência da ciência moderna na teologia através dos métodos histórico-críticos e o processo de secularização vivido pela sociedade norte-americana, surge o fundamentalismo protestante afirmando a inspiração verbal da Bíblia (cada palavra, cada vírgula foi inspirada por Deus) e sua inerrância (estava isenta de erros em todas as suas afirmações sobre a natureza do mundo e a natureza de Deus). Ocorreu então, na Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos da América, o que ficou conhecido como a Controvérsia fundamentalista-modernista, uma disputa pelo controle da Igreja e do Seminário de Princeton que se deu entre os conservadores fundamentalistas e os modernistas (estes últimos estavam abertos à usar a crítica histórica para compreender a Bíblia).
Ao final do processo, os mais conservadores acabaram perdendo a disputa e fundando denominações e seminários próprios.
Este fenômeno não aconteceu apenas no presbiterianismo, mas se alastrou para outras denominações históricas. Portanto, desde as décadas de 1920 e 1930 as igrejas históricas dos EUA têm sido associadas à um protestantismo mais liberal e ficaram conhecidas como Mainline Protestant Churches (Igrejas protestantes de linha principal).
São consideradas mainlines nos EUA as sete irmãs: Igreja Presbiteriana (EUA), Igreja Metodista Unida, Igreja Evangélica Luterana na América, Igreja Episcopal (EUA), Convenção Batista Americana, Igreja Unida de Cristo e Discípulos de Cristo, e igrejas afro-americanas: Igreja Episcopal Metodista Africana, Igreja Metodista Episcopal Sião Africana e Igreja Cristã Metodista Episcopal.
Passado alguns anos após a controvérsia entre os ditos modernistas e fundamentalistas, os protestantes conservadores que já não faziam parte das Igrejas Mainline se definiam apenas por Evangelical (evangélico).
Fiz esse breve panorama histórico pra dizer que, grosso modo, o protestantismo norte-americano se divide entre Protestantismo histórico (mainline) e protestantismo evangélico (evangelicals). Vejamos algumas diferenças entre estes dois seguimentos (por ser uma lista geral, um ou dois pontos podem não refletir a característica de alguns seguimentos):
- Conversionismo: Ênfase na conversão individual, em "nascer de novo" e consequentemente busca por avivamento espiritual;
- Biblicismo: A Bíblia é a autoridade suprema, é inerrante e é a Palavra de Deus;
- Ativismo: necessidade de envolvimento individual na pregação do Evangelho, proselitismo;
- Exclusivismo: único caminho para a salvação é por meio da fé em Jesus Cristo;
- Ênfase na Santidade: rigor moral, austeridade, abstinência de álcool e tabaco;
- Dispensacionalismo: crença no arrebatamento e no estabelecimento de um reinado milenar, literal, de Jesus na Terra. Como consequência da leitura literal da Bíblia, em alguns casos, o dispensacionalismo leva ao sionismo cristão - crença de que o ajuntamento dos judeus em Israel é um pré-requisito para a segunda vinda de Jesus.
Protestantismo histórico
- Não há tanta ênfase na conversão, aquele momento em que a vida espiritual muda drasticamente. Há sim a jornada cristã que se inicia com o batismo (geralmente na infância), passando pela confirmação ou profissão de fé e se desenvolve até a velhice;
- A Bíblia é autoridade doutrinal e ética devendo ser interpretada de acordo com regras históricas e linguísticas, todavia ela não é mediadora entre Deus e os homens. No protestantismo histórico há grande influência da neo-ortodoxia, a crença de que Jesus é a Palavra de Deus e único mediador entre Deus e os homens.
- Pregar o Evangelho é mais que compartilhar crenças pessoais, é propagar com atos e palavras a Boa Nova do Reino de Deus, a saber: amor, paz com justiça, igualdade...
- Inclusivismo: Os protestantes históricos creem que a salvação se dá por intermédio de Cristo, mas acreditam que Cristo pode ser reconhecido em outras culturas, a partir de outras linguagens. Deus e sua graça se manifestam para além do Cristianismo.
- Escatologia: Geralmente não se lê o livro de Apocalipse literalmente. Ao invés de perpetuar a lógica do "quanto pior, melhor, pois assim Jesus logo volta", o protestantismo histórico busca a Justiça social como forma de preparar o mundo para o estabelecimento pleno do reinar de Cristo. A regeneração social é tão importante quanto a salvação individual.
- Ecumenismo: Por não se preocupar tanto com o proselitismo, ser aberto a diversidade de interpretação Bíblica e ter uma prática voltada para o social, o protestantismo histórico é aberto ao Ecumenismo e o diálogo inter-religioso.
- Liturgia: Em geral tem uma liturgia alinhada à liturgia cristã histórica (Ritos Iniciais, Confissão, Absolvição, Liturgia da Palavra, Liturgia dos Sacramentos, Ritos de Envio) fazem uso de roupas e paramentos litúrgicos e seguem o calendário cristão.
E no Brasil?
Penso que essa tipologia esboçada também serve à realidade brasileira. O Evangelicalismo, assim como nos Estados Unidos, é o ramo majoritário. Os protestantes históricos no Brasil assim como nos EUA, adotam uma postura ecumênica, progressista e aberta ao ministério ordenado de mulheres. As igrejas protestantes que mais se alinham a esta tipologia são as que fazem parte do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs - CONIC (Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil - IECLB; Igreja Episcopal Anglicana do Brasil - IEAB; Igreja Presbiteriana Unida do Brasil - IPU; Aliança de Batistas do Brasil - ABB).
Em relação ao protestantismo histórico ser ligado à denominação principal (mainline), no Brasil, isto se aplica aos luteranos (IECLB) e anglicanos (IEAB), apenas. Ambas, igrejas ecumênicas e progressistas. No presbiterianismo, seguindo nossa tipologia, a denominação principal (IPB) seria classificada como Evangélica. A IPU (Igreja Presbiteriana Unida do Brasil) é a menor denominação presbiteriana do Brasil e pode ser facilmente classificada como protestante histórica.
Por que os protestantes históricos não crescem?
Fenômeno semelhante é observado nos EUA que desde os anos 1970 tem visto o evangelicalismo crescer e o protestantismo histórico decrescer. Deixando questões de financiamento e o fato do evangelicalismo estar bem mais alinhado ao status quo - econômico e político - para uma discussão posterior, creio que as igrejas evangélicas oferecem certezas morais e valores absolutos em um mundo confuso e com isto se tornam uma vertente forte. Já o protestantismo histórico é uma vertente fraca por permitir a diversidade de pontos de vista teológicos, por não fazer exigências rígidas a seus membros, por ir na contramão das pautas conservadoras.
Mas cá pra nós, ser fraco e insignificante combina muito com o espírito do cristianismo, conforme disse São Paulo em sua primeira carta aos Coríntios:
"Mas Deus escolheu as [...] coisas fracas do mundo para envergonhar as fortes. Ele escolheu as coisas insignificantes do mundo, as desprezadas e as que nada são, para reduzir a nada as que são, para que ninguém se vanglorie diante dele" (1 Coríntios 1:27-29, NVI).
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ao ministério da palavra (Igreja Presbiteriana Unida).
Acho fundamental fazer estes esclarecimentos. Mesmo pq muitos críticos da identidade religiosa protestante/evangélica colocam todo mundo no mesmo balaio. Seria interesse, para um próximo texto, explorar a discussão acerca do crescimento das igrejas protestantes históricas, notadamente no Brasil. Como crescer em meio ao avanço do conservadorismo empunhando pelo evangelicalismo? Parabéns pelo texto!
ResponderExcluirGrato pela leitura e pela provocação. Um baita desafio...
ExcluirOtimo Um Dia Queia Conhecer A Igreja Luterana onde Tem Uma Igreja Luterana Em Piracicaba SP
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