I. Realidade antropológica e religiosa da Bahia
Tem-se a tendência a esquecê-lo, mas o povo africano se espalhou através de toda a América Latina. E isso é ainda mais verdadeiro do Brasil cuja população de 120 milhões de habitantes Conta, conforme alguns, mais de 20 milhões de negros. Chega-se mesmo a dizer que 80% da população são de origem africana e indígena.
É muito difícil saber qual é a percentagem de negros e de brancos na Bahia.
Se – particularmente num domingo – você passar pela praia, você estará inclinado a pensar que o negro chega a constituir uns bons 80% da população. Pelo contrário, se você for aos clubes, você terá a mesma impressão com relação ao branco.
Você poderá fazer o mesmo teste, se lançar um olhar às escolas privadas ou às escolas públicas. Nas festas populares, o negro domina. No teatro, é o branco. Além disso, na Bahia, é muito difícil saber quem é negro ou quem é branco.
Sem pretender ir mais longe nesta análise, basta dizer que se a população negra do Brasil está avaliada em 20% do número total de habitantes, na Bahia, ela poderia muito bem atingir 40%: quer dizer, de pessoas tipicamente negras. Outros 20% seriam constituídos de gente nitidamente marcada pela cor negra, e outros 15% seriam constituídos de pessoas de raça branca, mas influenciados pelo elemento negro, que desde o tempo relativamente próximo da escravidão teve uma tal importância numérica e cultural nessa parte do Brasil. Restariam então uns 10% de brancos puros: esses famosos 10% dos proprietários das terras e da fortuna na América Latina.
Esse percentual empírico converge com aquele fornecido por Abdias do Nascimento em seu livro Racial Democracy in Brazil: Myth or Reality, publicado na Nigéria em 1977.
Essa população negra se diz e se pensa brasileira e ao mesmo tempo olha rumo à África. Tudo que é da África tem muita importância para ela. Diz-se de bom grado que a descolonização da África, sua nova importância, influencia consideravelmente esse interesse. Todavia, é preciso não esquecer que o negro sempre Olhou no rumo da “Terra-Mãe”.
Esses negros se dizem também católicos, mas ao mesmo tempo preservam e fazem progredir sua religião. Esta última foi trazida da África por seus ancestrais-escravos que foram arrastados à força para a terra brasileira. Eles vão à igreja, mas freqüentam o candomblé. Todos são batizados, mas todos também são quer iniciados, quer ligados ao culto africano.
Mas para a Igreja – quando se trata de porcentagem de católicos no mundo – não há diferenças entre brancos e negros: todos são igualmente católicos. Assim, o Brasil com seus 90% de batizados é apresentado como o país mais católico do mundo; “uma só fé, um mesmo batismo, uma mesma Igreja”. Por conseguinte, cada um, qualquer que seja a sua cultura, deve adaptar-se ao modelo preestabelecido.
A Igreja não nega a existência em seu seio de uma religião popular, mas de fato ela apenas tolera essa religião: esforça-se por modificá-la pouco a pouco, a fim de que venha a se adaptar às regras gerais que possuem valor para o mundo inteiro.
Apesar disso, a vida continua e fala. O embranquecimento do Brasil não forneceu os resultados esperados. Os negrinhos teimam ironicamente em nascer de pais mais brancos ou menos negros do que outros. Desse modo, a religião africana teima em permanecer viva e mesmo em intensificar-se, a ponto de influenciar o mundo branco e de lhe oferecer um ponto de partida para a busca de uma nova religião. A Umbanda, depois de ter sido o esforço do branco para recuperar a religião negra em seu proveito, torna-se o esforço do branco para descobrir uma religião adaptada quer à influência africana que ele continua a sentir em si, quer a seu temperamento oriental.
A Igreja começa a se perguntar então: “Mas que é que está ocorrendo?” Ela observa seus filhos e não os reconhece mais... Uma galinha que chocou uma ninhada de patos.
Cheguei à Bahia em julho de 1974 porque pensava que havia algo a aprender dos descendentes de Africanos que, quase a maioria, povoam a cidade e algumas partes do Estado. Não me estenderei sobre as razões que me trouxeram até aqui: freqüentemente somos guiados por outra coisa bem diferente dos motivos que colocamos à frente.
Mesmo que, graças a amizades muito firmes e muito dedicadas à causa dos negros no mundo, eu possa gozar de relativa independência em face da Igreja institucional, sou conhecido e me situo como padre e trabalho em ligação com a Igreja. Os membros do clero que possuem em suas paróquias “candomblés” ou lugares de culto da Religião Africana não compartilham forçosamente a minha opinião.
Em virtude de circunstâncias favoráveis, entrei rapidamente em contacto com o AXÉ OPO AFONJÁ, situado na pequena cidade de Lauro de Freitas, perto de Salvador. Um mundo que eu ignorava e considerava, a exemplo de meus confrades franceses ou outros, como um mundo de magia, de fetichismo, de paganismo. Lentamente me dei conta de que estava em face de uma religião vivida numa fé profunda.
A honestidade, as amizades criadas, a total ausência de sectarismo da parte dos adeptos da religião africana, seus laços com a fé católica, fizeram com que pouco a pouco, de observador, eu me tornasse – dentro de certos limites – participante. O verbo ‘acompanhar’ seria aliás mais correto do que ‘participar’.
Gostaria de assinalar desde logo que minha experiência no seio de um “candomblé” não mudou em nada aquilo que constitui a minha fé, nem em seu conteúdo, nem em sua expressão religiosa. Mas, graças a essa experiência, pude descobrir outro tipo de fé com outro conteúdo, outra maneira de se exprimir e de perceber a realidade sobrenatural. Daí nasceu o desejo de aprofundar essa nova realidade, tendo sempre em vista a relação Igreja-Religião Africana.
Falo de Religião Africana. Aqui se diz: “Culto Afro-Brasileiro”. Mas eu falo de religião e não simplesmente de um culto; de religião africana porque sua origem é africana e não brasileira. De brasileira ela só tem a nacionalidade de seus adeptos, que são em sua maioria descendentes de escravos importados de África, e algumas características provindas das circunstâncias da escravidão. Não há mais razão de falar em "culto afro-brasileiro" tanto quanto em culto católico "franco-romano". Falo de religião africana no singular, porque eu me refiro não aos derivados dessa religião mas àquela que veio da África, e que é ainda praticada com uma autenticidade reconhecida, a despeito do tempo decorrido, do distanciamento da terra-mãe e também de certo sincretismo africano, fruto das circunstâncias da escravidão.
Essa religião é africana e para os Africanos. O branco pode aderir a ela, mas é normal que aí se sinta estranho e jamais totalmente integrado.
II. Notas sobre o sincretismo religioso na Bahia
O direito à pincelada
Quando do simpósio sobre “Sincretismo Religioso” (30, 31 de outubro e 1o de novembro de 1976), o Cardeal Dom Avelar Brandão Vilela, arcebispo de Salvador na Bahia e primaz do Brasil, declarou sem rodeios em conversa privada: “A Igreja Católica chegou primeiro. Portanto, é Ela que tem prioridade”. O mesmo tema foi desenvolvido alguns dias mais- tarde pelo mesmo Cardeal por ocasião da homilia que se inseria nas cerimônias do Tricentenário do Arcebispado de Salvador.
É possível espantar-se com isso? A Igreja é aquilo que fazemos dela. Ela mergulha no meio ambiente. Face a uma multidão de vários milhares de fiéis, dos quais pelo menos 60 a 70% eram de descendência africana, o Cardeal podia com toda a tranqüilidade ignorar outra religião diferente da sua e que no entanto alimentava a vida de fé de muitos dos seus ouvintes. A Igreja é prioritária, ela tem o monopólio de poder pintar com suas cores quem Ela quiser.
A Igreja de hoje no Brasil permanece muito marcada por aquilo que Ela foi nos séculos anteriores, desde aquela longínqua missa na baía de Todos os Santos do ano de 1500 em que a Cruz foi plantada e imposta em terra indígena. A Igreja dos primeiros séculos do Brasil foi essencialmente portuguesa. Igreja ligada ao e dependente do Rei mui cristão, ao qual o Papa dera direito e missão de conquistar as Terras e de evangelizá-las. Ora, para reviver e sobreviver, o Portugal do fim do século XV e começo do XVI tinha necessidade da África e dos braços dos escravos. E já que revitalizar Portugal era assegurar o desenvolvimento de uma nação por excelência cristã e devotada a Roma, quem então teria podido duvidar da legitimidade do tráfico dos negros e quem, de fato, não pensava que o escravo era “filho do demônio" (velhos restos tenazes do mito bíblico de Cam) e que sua redenção passava pelo serviço ao branco e ao branco português?
Eis por que a posição da Igreja no Brasil foi muito diferente em relação ao Índio e em relação ao Africano. Ela protege o Índio contra a cupidez dos brancos mas deixa os negros nas mãos dos Senhores, mal se arriscando a pregar-lhes alguma mansidão face a seus escravos. Além disso, a Igreja não se furtou a ter também seus escravos e Deus sabe quão difícil foi convencer certas Ordens religiosas a consentir na libertação de seus escravos em pleno século XIX. Como esse modo de contacto, essa maneira de considerar o escravo negro não teria forjado pouco a pouco uma mentalidade entre os homens de Igreja? A imperiosa necessidade da mão-de-obra escrava impedia aliás mui provavelmente de pensar mais longe.
A compensação para os males da escravidão era o batismo. Era a salvação oferecida que justificava tudo. Demais, nesse Brasil iniciante, o único passaporte exigido era a certidão de batismo. À proporção que chegavam, à proporção dos nascimentos, os Africanos recebiam o batismo. Esse costume estabeleceu-se tão bem que 95% dos brasileiros são batizados, ainda hoje. Ora, é uma doutrina solidamente estabelecida que o batismo incorpora não somente a Jesus Cristo mas à Igreja Católica. Assim, mui normalmente e sem maiores problemas, a Igreja se atribuiu um direito de posse sobre os escravos e seus descendentes.
Nisso, aliás, ela cumpria sua missão de conversão. Converter era a ótica missionária que alimentou, é mister reconhecê-lo, gerações de admiráveis missionários, que contribuíram para formar humanamente aqueles que hoje têm em suas mãos o destino da África. No Brasil, encontraram-se os mesmos apóstolos, mas em número menor. Estava-se em terra de cristandade: converter era antes manter no regaço eclesial o rebanho de que a Igreja era proprietária de direito. Por certo, a Igreja do Brasil atual evoluiu. Mas, excetuada uma minoria que ainda possui o perfil profético, a hierarquia não reexamina as posições adquiridas. Ela pintou o negro de branco e branco deve permanecer. Existe, no Brasil, em relação aos negros, um racismo ainda mais sutil do que nos Estados Unidos.
Tintura de Catolicismo sobre fundo de Religião Africana
Com efeito, a Igreja não tem dificuldade em reconhecer suas cores, por mais superficialmente que Ela observe os adeptos da religião africana. Com toda boa-fé ela pode chamá-los seus.
O Africano – digamos o descendente de Africanos – não nega aliás essa pertença à Igreja. A Igreja chama então de sincretismo essa tintura católica aplicada por Ela nas “pessoas de candomblé": espécie de “católico sem sabê-lo”.
É certo que a gente encontra no seio das pessoas de ritos africanos mais do que traços de catolicismo. São verdadeiros hábitos, verdadeiros reflexos católicos.
O batismo penetrou de tal modo nos costumes que normalmente nenhum não-batizado pode entrar num terreiro de candomblé e, com maior razão, poderá ser iniciado: Mãe SENHORA, que foi uma das grandes “mães de santo” da Bahia, ao receber uma moça que estava no ponto de ser iniciada e no momento em que tudo já estava preparado, perguntou-lhe de súbito: “Mas, de fato, você é batizada?” Em face da resposta negativa, ela a dispensou sem maiores explicações. E se tratava por certo do batismo pelo padre.
Os próprios Deuses Africanos possuem nomes cristãos. Assim, Yansã, fogosa deusa do vento e das tempestades, é Santa Bárbara (padroeira dos artilheiros no exército francês). Yemanjá, a bela deusa do mar, e Oxum, voluptuosa deusa das águas doces, são Nossa Senhora. Oxalá, Deus Criador dos homens, é Nosso Senhor do Bonfim. Cada Orixá possui um correspondente católico; o nome difere segundo os cultos, mas a gente o reencontra sempre.
O Orixá parece assim catolicizado. A relação entre o Orixá e o Santo deriva mais de detalhes do que de motivos profundos. Desse modo, Ogum – orixá do ferro e da guerra – é o batedor da linha de frente, que abre os caminhos. Quando se vai viajar, a gente faz na estrada uma pequena oferenda a Ogum e parte tranqüilo. Ele é assimilado a Santo Antônio, o santo dos objetos perdidos. Cada filho de Ogum guarda religiosamente em seu quarto uma imagem de Santo Antônio e no dia 13 de junho, dia de sua festa, leva-se o santo à Igreja: um santo gosta de ouvir Missa.
A água benta pelo padre goza de prestigio nos candomblés. Um dia, um pai de santo não sabia como fazer com um Orixá que se obstinava em atormentar uma jovem que no entanto não lhe pertencia; ele me pediu então que benzesse água: parece que tudo se resolveu.
A Missa faz parte do mundo religioso das pessoas de candomblé. Seu "ano litúrgico” começa muito freqüentemente pela Missa na Igreja. Em caso de morte, não há possibilidade de se omitir a Missa de sétimo dia.
A "colina sagrada” da Bahia è aquela em que se ergue a Igreja de Nosso Senhor do Bonfim, o Montmartre da Bahia.
Ao procurar um dia uma casa para alugar no bairro, eu me dizia: “Você não achará nada aqui; pensa você que alguém vai abandonar o coração da Bahia que é a colina sagrada?”
As velhas saudações cristãs de outrora ainda estão em uso na terra da Bahia: “Deus lhe pague”. “Vá com Deus!” “Deus lhe acompanhe”. E isso é dito tanto pelas crianças como por adultos ou velhos.
Não se pode negar no meio do candomblé a presença de uma fé cristã. Que essa fé não ultrapasse o nível da religião dita popular não infirma em nada a realidade. Com efeito, a maioria das pessoas do candomblé vem das massas populares. Essa fé aliás nada tem a invejar daqueles que se dizem de elite. Mui freqüentemente a fé das pessoas de candomblé não é menos viva do que a dos outros.
Tenho aqui comigo em casa, neste momento, uma filha de santo que veio para se tratar de ciática. Toda a sua família é de candomblé. Ela queria ser religiosa, mas cada vez que ela estava no convento sua saúde se abalava. Ela gosta do convento, ela ama a Igreja, ela se sente à vontade na Igreja, o mundo católico é o seu mundo. Ela não questiona nenhuma verdade ensinada pela Igreja. Sua fé é a de muitos dos seus.
Como então iria a Igreja pensar que a tintura religiosa dessas pessoas de candomblé não é de sua cor? Ela pensa que as influenciou e que pouco a pouco os Orixás vão desaparecer em proveito dos santos católicos: o catolicismo penetrou no meio do candomblé – desse sincretismo, que se purificará, surgirá um verdadeiro catolicismo.
Quando retiramos a pintura, reaparece a verdadeira madeira
É preciso limpar muitas paredes de maravilhosas igrejas, muitas estátuas – obras-primas de Cristo ou da Virgem – para, no Brasil como alhures, reencontrar o autêntico. O aspecto exterior pode mudar, mas a realidade permanece imutável. É isso que ocorre com as pessoas do candomblé.
Rubem Alves, pastor protestante e professor na Universidade de Campinas, Estado de São Paulo, gosta de dizer que “metafisicamente o negro não podia aceitar a religião de seus senhores”. Ele teria assim por sua aceitação justificado sua própria escravidão. A salvação propiciada pelo batismo tinha de fato, na mentalidade portuguesa, como recompensa, a escravidão do negro. Ocorria com o escravo em relação ao senhor o mesmo que com o torturado em relação ao torturador. O ódio se torna tão grande sob o efeito da dor e da humilhação que o supliciado chega a não falar e a nada revelar: um carrasco não pode ter direito à verdade.
Aceitar a religião de seu senhor fora para o Escravo legitimar sua própria escravidão. Ele não teria tido outra saída. Senão resignar-se: sem dúvida o presente era doloroso, mas depois, que horizonte de felicidade não se abriria diante dele!
Como quer que seja, todos os autores que se debruçaram sobre o problema da escravidão – Nina Rodrigues, Edson Carneiro, Arthur Ramos e tantos outros – são unânimes em dizer que o negro só aceitou o cristianismo exteriormente, conservando suas próprias idéias sob invólucro cristão.
No ano passado, Katia Mattoso, professora de história na Universidade (Católica) da Bahia, que se dedicou com muita inteligência ao problema da escravidão, descobriu um número considerável de testamentos de antigos escravos. É tocante ver como, mesmo admitindo o catolicismo, alguns pediam para ser enterrados segundo o rito africano. Fundamentalmente eles haviam permanecido os mesmos.
A partir do que se pode constatar hoje, reencontra-se perfeitamente tudo o que foi dito. A Igreja propõe uma realidade; o descendente de Africano a aceita, mas ele dela se serve para um fim diferente. Ele dá outro conteúdo às palavras e às realidades.
O caso do batismo é típico. A gente se faz batizar para não ser “pagão”. Não ser pagão é sobretudo “ser como os outros”, isto é, não ser “filho do demônio”. Tenho a impressão de que é preciso ascender à mentalidade dos Portugueses face aos negros para compreender tudo o que isso quer dizer. “Filho do demônio” é o negro. Não ser como os outros é ser negro. Um pagão era também aquele que não tinha direito de entrar no Brasil. No período da colonização: sem batismo não havia identidade. O escravo como tal, menos do que outros, não possui identidade. Ele era uma coisa, uma peça, “as peças de Guiné”, conforme se dizia então dos primeiros escravos.
Era de fato o batismo que o fazia pessoa humana aos olhos da sociedade em que entrava; já que, enfim, se o batizavam e que ele era mais do que um animal, mesmo se depois fosse tratado corno tal.
O escravo não tinha necessidade do batismo para saber quem ele era: como todo africano, ele fazia parte de uma família, de um clã, de uma tribo. Sua referência continuava sendo a África, portanto. Mas ele tinha necessidade do batismo para ter uma identidade – por mais fraca que ela fosse aos olhos do branco.
Com efeito, ele não tinha absolutamente palavras para dizer quem era na realidade: sua fala negra não possuía nenhum sentido para o branco. Ainda hoje, no Brasil, sua fala negra só será recebida se ela possuir consonâncias brancas. Sua africanidade só será admitida se ela se tornar brasileira, portanto afogada na massa.
Em compensação, o negro tinha uma palavra para dizer que ele não estava no fundo de sua natureza: batizado e da mesma religião que o branco. Assim, ele possuía um lugar, o último, mas tinha um.
Contudo, essa religião que lhe fornecia uma identidade não era a sua. A Igreja não era a sua casa, mas uma casa estrangeira à qual ele ia talvez de boa vontade, pois aceitava tudo o que é bom.
Como recebia ele a mensagem católica?
Pode-se afirmar sem esforço que ele a recebia à sua maneira e a adotava segundo seu modo próprio. O que existe hoje existia então com maior razão. A religião católica lhe era apresentada numa língua que não era a sua e que ele apenas falava para as coisas correntes e materiais. A palavra dita só é idéia para aquele que fala; para que ela se torne tal naquele que escuta, é mister fecundar nele a inteligência do outro. Só existe fecundação na medida em que dois elementos são adaptáveis um ao outro: é a lei geral e a parábola da semente.
Pregada em português, numa mentalidade inteiramente diferente da sua – freqüentemente nem era pregada mas apenas reduzida a práticas devocionais pelos senhores, encarregados pela Igreja do cuidado religioso de seus escravos –, que podia então compreender e reter o pobre negro da mensagem cristã?
Ele punha em suas próprias categorias aquilo que podia escutar da boca dos brancos. Aproveitava o melhor possível de sua qualidade de “católico” para suavizar sua própria existência e continuar a honrar seus próprios Deuses.
Daí veio o “batismo” dos nomes de seus Deuses com nomes cristãos. Tomou o catolicismo como fachada, como aparência para poder celebrar seu próprio culto sob o pretexto de honrar os santos católicos. Não rejeitou tais santos católicos: habituou-se a eles, admitiu-os porque não tinha razão para rejeitá-los. Ele os tornou mesmo mais humanos, mais próximos de si. Porém, nada renegou de seus Deuses.
A Igreja pensa que Ela influenciou o Africano. Ela lhe forneceu novos elementos de culto. Mas o caminho percorrido não foi para o negro o de ir de seus Deuses ao Deus dos cristãos, porém muito mais o de levar o Deus dos cristãos e sobretudo os seus santos rumo às suas Divindades Africanas.
A pintura não impregnou a madeira
Raimundo Panikkar, num artigo intitulado “Some notes on Syncretism and eclecticism, related to the growth of human consciousness”, publicado em 1976 por Scholar Press, fornece do sincretismo uma noção ao mesmo tempo etimológica, histórica e prática. Seria o resultado concreto de um encontro, de um diálogo entre duas religiões capazes de descobrir e de pôr em destaque os pontos de fé que lhes são comuns e por uma aceitação mútua de ajudarem-se a crescer, uma à outra.
Reencontra-se a idéia mui cara a Raimundo Panikkar de fecundação mútua, que é de fato a única base válida de um ecumenismo que se quer diálogo entre todos e não meio mais ou menos confesso de recuperação dos outros.
Os ritos africanos aceitam a influência que a Igreja tem sobre seus adeptos. Eles diriam de boa vontade que se trata do aspecto brasileiro de sua vida, ou pelo menos um dos aspectos brasileiros.
Mas a Igreja nega todo diálogo com os ritos africanos, que Ela considera fetichismo ou folclore. Com efeito, a camada de pintura católica posta pela Igreja e por Portugal sobre os escravos e seus descendentes não impregnou absolutamente nem alterou sua realidade religiosa. Não é uma mistura de cores: são duas camadas de pintura que existem simultaneamente.
O filho de candomblé, o “filho de santo” pode ao mesmo tempo e sinceramente pertencer ao candomblé e à Igreja. São dois momentos de sua vida, dois meios de expressão religiosa. Isso pode constituir problema apenas se a gente se fechar exclusivamente dentro do pensamento ocidental. Nós estamos demasiadamente habituados a pensar em termos de verdade absoluta e, de fato, para nós, o outro vem a ser mais uma negação de nosso eu do que o seu complemento. Somos mais "essência” do que “existência”.
O Africano primeiro quer viver; ele é existencial. Ele vê mais no outro um complemento de si mesmo do que uma negação de si mesmo.
Ele é também poligâmico e não monogâmico. A segunda, a terceira esposa não constitui uma rejeição da primeira: ele está ao mesmo tempo com todas, e regras severas mantêm os direitos de cada uma.
As pessoas de candomblé não misturam absolutamente os ritos. Para elas, candomblé é candomblé; Igreja é Igreja.
A maneira de falar pode às vezes dar a impressão de que eles confundem, de que eles misturam. “Oxalá é o Senhor do Bonfim”, Oxalá é Jesus Cristo. Esse 'é' tem mais o sentido de ‘corresponde ou pode se comparar do que o estrito sentido ‘Ser’. É uma relação entre duas divindades e não uma assimilação. A prova disso está em que se a gente perguntar a uma filha de santo: “Como é que você faz para saudar Oxalá e o Senhor do Bonfim?” Ela responderá sem hesitar: Para o Senhor do Bonfim eu faço o sinal da cruz; para Oxalá, o dobale” (prostração ritual).
O autêntico culto do candomblé assim como os cultos derivados fornecem aliás a prova de uma inexistência de sincretismo entre religiões. Existe apenas justaposição.
Os ancestrais possuem um lugar preponderante na sociedade africana. Vindos de África para o Brasil, os negros cedo descobriram que esta terra era a dos Índios. Com bastante naturalidade eles adotaram os ancestrais destes últimos ou antes aceitaram os direitos de tais ancestrais sobre eles. Daí nasceu o culto do caboclo, culto dos ancestrais indígenas. Tal culto inventado pelos negros muito recebeu do culto africano, porém deste se diferencia significativamente. Os dois cultos jamais coexistem; os seus lugares são mesmo distintos.
Os cultos derivados, como a Macumba do Rio ou a Umbanda de São Paulo, que integraram ritos católicos, indígenas, espíritas ao culto africano de base, não preservam o mesmo rigor. Mas cada culto tem o seu momento preciso no decorrer de uma mesma cerimônia e os espíritos que se encarnam sempre respeitam as diversas origens: os orixás têm o seu tempo; os ancestrais indígenas, o seu; e os “espíritos”, o seu.
A sobrevivência do culto do candomblé não é como uma vitalidade nova insuflada pela Igreja: ele vive de si mesmo. Sua existência, ele a deve a si mesmo. Permanece, porém, o fato de se fazer um imenso esforço para relegar ao plano do folclore aquilo que é a legítima expressão religiosa de um povo. Isso entra no quadro de um abrasileiramento do Brasil: um só Brasil, uma só raça.
É preciso sobretudo negar a existência do fato africano. O próprio diretor do C.A.O. (Centro Afro-Oriental) não hesitava em escrever no “Jornal da Bahia”, de 26 de junho de 1977, no artigo “Revisão do Africanismo e reações dos especialistas”: “Não existe uma cultura afro-brasileira mas apenas uma cultura brasileira impregnada de elementos africanos”. Evidentemente, seria necessário poder escrever um Raízes de Alex Haley voltado para o Brasil.
A Igreja do Brasil, na seqüencia de bispos e padres, líderes, profetas e mártires, progrediu a passos de gigante em favor do homem. Que ela possa se mostrar como uma imensa tela, um horizonte sem fim que permita ao homem toda a possibilidade de descobrir Deus e de criar sua relação com Ele, e não como uma tábua de leis fora da qual Deus não existe, ou ainda como um livro que se fecha sobre Deus e que o aprisiona.
III. Por que a Igreja teve e tem ainda tanta dificuldade em ter consciência de que “africanos” vieram para o Brasil e fizeram o Brasil?
O passado marca a mentalidade de cada um e a própria Igreja católica não escapa absolutamente a essa regra. A colonização deixou tanto no colonizado quanto no colonizador impressões muito difíceis de apagar. E quando se trata de uma colonização à base de escravidão, os efeitos são ainda mais arraigados.
A Igreja que desembarcou nas costas da Bahia em 1551, com os navios de Tomé de Souza, era a Igreja de Portugal. Essa Igreja que tinha a experiência da escravidão era escravagista. Ela pensava do mesmo modo que o Portugal do século XVI e se identificava com esta máxima expressa por Zurara em suas memórias de Dom Henrique: “O negro era o braço indispensável. sem ele Portugal não se teria desenvolvido, a absoluta necessidade de mão-de-obra dispensava qualquer outro sentimento e qualquer outro raciocínio”.
De fato, no início do século XV, Portugal estava no nível mais baixo, enfraquecido por anos de guerra e por infatigáveis buscas para a descoberta das riquezas da Índia. Estava pobre de homens e de dinheiro.
Foi então que chegou, em 1441, a fragata de Antão Gonzales. Vinha de África com um carregamento de doze escravos. À sua vista, Dom Henrique ficou louco de alegria: não era tanto o número que contava mas as futuras promessas que esses pobres miseráveis já anunciavam.
Logo a Igreja se comprometeu com o comércio de escravos que vai começar, Eugênio IV faz a doação à Coroa portuguesa das terras recém-descobertas. Em 1550, Nicolau V e mais tarde Calixto III, se não chegam a abençoar o tráfico, disso se regozijam sob o pretexto de que assim a África iria se cristianizar.
Rapidamente se organiza o comércio de escravos. Já em 1448, pouco depois da fundação da “Companhia de Lagos”, Portugal contava com mais de 4.000 escravos. Só assim Portugal podia se desenvolver: o escravo era condição sine qua non da vida Portuguesa. Não é inútil reproduzir de novo esta passagem das Crônicas da Descoberta que Gomes Eanes de Zurara escreveu à glória de Dom Henrique, alma e cabeça da epopeia escravagista. À página 122 de seu livro ele nos descreve nalgumas linhas dramáticas aquilo que era a maneira de pensar e de sentir do português àquela época. Trata-se da primeira distribuição de escravos (cerca de 300):
"Era extraordinário ver esses cativos reunidos na praça pública. Alguns eram brancos, outros menos brancos, de cor escura e os outros eram tão negros de rosto e de corpo que os homens que os guardavam pensavam ter diante de si a imagem do hemisfério sul. Quem, por mais duro que seja, não seria tomado de piedade em face desse espetáculo?
Alguns baixavam a cabeça e choravam, outros erguiam o rosto para o céu e gritavam na sua direção como para pedir socorro do Pai da Natureza”.
Outros laceravam o rosto com suas mãos. A cena vai crescendo em horror quando da partilha dos escravos. Dá-se a separação uns dos outros a fim de constituir lotes iguais. Não eram respeitados nem o parentesco nem a amizade, cada um ia para onde a sorte o enviava. Se fosse preciso, separava-se o marido da mulher, os filhos dos pais. As mães estreitavam nos braços seus filhos e, apesar dos golpes, avançavam com eles, sem piedade para com a própria carne, a fim de guardá-los consigo.
A dureza desses instantes arrancou lágrimas ao narrador. Logo em seguida, porém, ele se lembrou de que esses homens e essas mulheres, conduzidas de África acorrentados para o Reino, eram almas levadas assim para o caminho da salvação eterna, e pediu a Deus perdão por suas lágrimas: “Que elas não sejam uma condenação de sua consciência”.
Do conjunto, antes da distribuição, quinze escravos foram retirados e doados à Igreja.
Não se deveria pensar que essa mentalidade fosse algo de um momento. Ela pertenceu a uma época que começou em 1441, durou até 1888 e ainda não se extinguiu de todo.
Para não pensar que a atitude de Zurara era um fato isolado, vale a pena ler a carta escrita em 1611 pelo Padre Luís Brandão, SJ, Reitor do Colégio Jesuíta de Angola. Ele respondia a uma questão precisa do grande apóstolo dos escravos negros de Cartagena na Colômbia, o Padre Alonso de Sandoval, SJ. Este, em seu livro de mais de 600 páginas, Tractatus de Instauranda Aethiopum Salute, à página 98, acreditou ser útil reproduzir o texto integral da resposta que ele recebera de seu colega de Angola:
“Colégio de São Paulo de Luanda, 21 de agosto de 1611.
Reverendo Padre,
Recebi vossa carta datada de 12 de março de 1610. Só posso dar graças a N. S. que dá à nossa Companhia um tal zelo para conduzir no caminho do céu as almas de todos estes negros. Grande obra da qual vós tanto participais.
Deveis estar convencido que trabalhais bem para Deus: sereis sem nenhuma dúvida mui recompensado por esse trabalho estafante ao qual vos dedicais em favor desse povo negro. Eu vos falo por experiência, pois nós que estamos neste colégio temos muita dificuldade com os negros nascidos aqui: Jesus Cristo estará contente conosco por isso.
Vós me perguntais em vossa carta se penso que os negros enviados como escravos foram legitimamente feitos prisioneiros aqui. Parece-me que não deveis ter nenhum escrúpulo sobre esse ponto. De fato, aqueles que fazem parte da “mesa da consciência” em Lisboa, e que são homens de ciência e de reta consciência, jamais levantaram qualquer dúvida a esse respeito. De igual modo agiram os bispos que estiveram em São Tomē, em Cabo Verde e aqui mesmo em Luanda e todos eram pessoas doutas e virtuosas. Nós que estamos aqui há mais de quarenta anos, tendo conosco Padres dos mais eminentes em letras, jamais pensamos ser tal tráfico ilegítimo. Assim pensam também nossos Padres do Brasil que compram escravos para o serviço dos nossos sem nenhum escrúpulo.
Eu digo mais: aquilo que pode retirar todo escrúpulo é exatamente a atitude dos mercadores de escravos. Já que estes conduzem os escravos em mui boa consciência, nós podemos portanto comprar-lhos em boa consciência.
Com efeito, é opinião comum que quem possui uma coisa de boa fè pode vendê-la e se pode comprar-lha sem escrúpulo. O Padre Sanchez o diz claramente em seu tratado do casamento e resolve assim vossa dúvida.
Quanto ao mais, nós aqui somos aqueles que deveríamos ter mais escrúpulos, porque compramos os negros a outros negros e a pessoas que talvez os roubaram. Mas os mercadores que levam os negros para fora daqui nada sabem sobre isso e assim eles compram e vendem de mui boa fé.
É certo, porém, que não encontrareis um negro que admita ter sido feito prisioneiro legitimamente. Não deveis sequer propor-lhes a questão: sempre dirão que foram roubados e ilegitimamente aprisionados, buscando assim recobrar sua liberdade.
Eu diria também que, nas feiras de escravos, alguns são de fato prisioneiros ilegítimos pois foram roubados, ou seus senhores os vendem por motivos bastante fúteis, Mas estes são pouco numerosos e procurar entre dez e doze mil negros, que cada ano partem deste porto, os raríssimos que são ilegitimamente prisioneiros, é uma tarefa impossível por maior que seja a diligência.
Correr o risco de perder tantas almas que vão se salvar partindo daqui para resgatar alguns cativos ilegitimamente prisioneiros, sem saber quem são eles, não me parece ser um bom serviço de Deus: com efeito, muito menos numerosos são estes últimos e mui numerosos são os outros que vão ao encontro da salvação.
No que se refere ao cativeiro dos negros, existem aqui muitas leis e costumes: na maioria das vezes o cativeiro é bem merecido.
Mais do que isso eu não vo-lo saberia dizer, meu Reverendo Padre: o tempo me falta e o assunto é vasto.
Queira crer...”.
Uma leitura atenta desse texto não deixa nenhuma dúvida sobre a mentalidade da época.
Como então espantar-se que a atitude dos Jesuítas no Brasil fosse tão diferente para com os índios e para com os negros?
Eduardo Hoornaert, em seu livro História da Igreja no Brasil, publicado pela Editora Vozes de Petrópolis, Estado do Rio, escreve muito a propósito que, de fato, os Jesuítas tinham talvez a consciência pesada ao evangelizar sem poder dar a liberdade. Essa má consciência não lhes vinha da escravidão, que eles admitiam, mas do fato de ter que evangelizar escravos.
Quem não aceitasse a escravidão não poderia permanecer no Brasil, pois sem escravidão o Brasil não poderia existir. Por um fato curioso, a salvação das almas servia de pretexto ao tráfico de escravos, mas não se evangelizava, a falta de liberdade constituindo um obstáculo para isso. Fazia-se uma salvação ex opere operato: o batismo. O resto era deixado, por piedosa hipocrisia, às mãos dos senhores.
Afinal de contas, a Igreja teve consciência da chegada “de escravos” ao Brasil, mas muito pouco de “pessoas africanas” chegando ao Brasil.
A prova disso é: a dificuldade que a Igreja teve de libertar seus próprios escravos e portanto de participar na campanha da abolição. Apesar dos esforços de Leão XIII, a Igreja ao final do século XIX não tinha uma consciência muito nítida do escravo considerado como pessoa. O Africano era muito mais um produto de África do que uma pessoa humana.
Muitos pensavam assim e eis por que o racismo não existia no Brasil: o racismo é contra as pessoas, não contra os produtos. A Lei Áurea de 13 de maio de 1888 fez o africano liberto passar da categoria de “escravo” àquela de “negro”: começou então o racismo. A Igreja, tão ligada às classes proprietárias, sem nenhuma dúvida participou desse desprezo: como não estaria Ela ainda mais ou menos marcada por isso, como estaria Ela inclinada a reconhecer no negro uma personalidade particular com valores que lhe são próprios?
IV. O culto africano do candomblé
Compreende-se talvez melhor agora como a Igreja, no tempo da escravidão, era absolutamente inapta para reconhecer algum elemento religioso que fosse no culto trazido de África pelos escravos. Nada a havia preparado para isso: nem o particular contexto nacional de Portugal, nem o contexto geral da Igreja. Não se podia conceber uma salvação fora da Igreja. Certamente o clero de então valia tanto quanto o de hoje; talvez mesmo dificilmente reencontraríamos outros Vieiras ou Anchietas. A defesa e a propagação da Fé tiveram também como hoje seus heróis, estes porém, se não aceitassem a mentalidade ambiente, seriam expulsos.
É bastante conhecido o fato de que a salvação das almas era o pretexto oficial e religioso que acobertava todos os crimes cometidos ao tempo da escravidão. A Igreja no duplo contexto (a) de desprezo pelo escravo negro que ela mesma utilizava como mão-de-obra indispensável à sua própria economia, e (b) de necessidade absoluta de se considerar como a fonte única de salvação, o que fornecia uma base moral ao comércio dos escravos, essa Igreja não podia, sob pena de se condenar a si própria, pensar que o Africano pudesse ser depositário também ele de uma fonte própria de salvação, coisa que o teria dispensado de recorrer à Igreja.
O mundo português (o da Igreja) e o do negro escravo constituíam dois mundos incapazes de se encontrar. E no entanto o mundo negro parecia ir ao encontro da Igreja. O que fortificava a posição desta.
É que a Igreja era a religião do senhor, do homem forte. Que valor o negro atribuía ao batismo e à prática religiosa que lhe era imposta? Ele dava pelo menos a impressão de que aceitava. Não podia agir de outro modo. Aliás, ele não via por que rejeitar realidades sobrenaturais boas em si mesmas. Mas permanecia fie à sua fé e ao seu culto.
Em que consistia esse culto, é difícil sabê-lo, antes da chegada dos escravos saídos do país Yorubá, e que se situa por volta de 1715.
Por que os Yorubá? É curioso constatar que, do mesmo modo que o Cristianismo se refere a uma Terra: a Judeia, que o Islão e o Budismo possuem também sua terra de origem, o culto africano parece ter nascido e crescido num pais situado ao norte da atua República do Benin e ao sul da Nigéria: o pais Yorubá.
Desde o século XVIII e sobretudo no século XIX, os escravos chegaram em massa dessas regiões onde os reis de Daomé sustentavam uma guerra impiedosa contra seus vizinhos. Eles tinham escravos para vender e os baianos produziam tabaco muito apreciado dos daomeanos: havia de um lado a mercadoria e do outro a moeda para pagar.
Tais Yorubá – na realidade membros de diversas tribos de línguas diferentes mas de cultura religiosa Semelhante – eram diferentes dos Bantos que chegaram antes. Por suas qualidades permaneceram para trabalhar na cidade. Eles compunham a infraestrutura indispensável: pedreiros, sapateiros, padeiros, serralheiros, carregadores, etc. Dependiam de um senhor ao qual prestavam conta do dinheiro ganho, mas gozavam de certa liberdade de circulação. Eles foram assim os apóstolos e os guardiães do culto que haviam trazido de África tanto mais que chegaram com seus sacerdotes e que o tráfico incessante com o Benin renovava continuamente os contactos com a terra-mãe.
O culto permanece hoje semelhante àquele de ontem. Os “yorubá” que vêm de África em visita concordam em dizer que o rito atual na Bahia é pelo menos 80% autêntico. É emocionante saber que os negros da Bahia que vão à África são reconhecidos e admitidos por seus irmãos como sendo da família, graças aos cantos sagrados que eles cantam numa língua ainda inteligível. Esse culto foi diretamente trazido de África para a Bahia. Ele sobreviveu a despeito da escravidão e chegou mesmo a fazer com que o negro mantivesse a cabeça erguida apesar das humilhações.
Por ocasião da Lei Áurea de 13 de maio de 1888, três africanas famosas estavam na Bahia: Iya Adeta, Iya Akala, Iya Nasso Oya. Foram as fundadoras do culto africano em seu contexto atual. Seria mais justo dizer que elas foram fundadoras das casas de culto, dos famosos candomblés depositários de toda a tradição de África.
Não é necessário entrar aqui na história do desenvolvimento do culto africano. O que importa é dar uma idéia desse culto, que a Igreja se revelou incapaz de perceber e de reconhecer. Portanto, nada melhor talvez do que tentar seguir o encaminhamento religioso de uma dessas consagradas aos serviços das Divindades.
Como toda religião, a religião africana distingue entre seus membros: os consagrados e os leigos. Vamos acompanhar uma dessas pessoas consagradas.
Vivaldina tem cerca de 18 anos. Ela existe realmente e qualquer um pode vê-la no candomblé Axé Apo Afonjá¹, no bairro de São Gonçalo, um dos mais antigos candomblés da Bahia. Ela foi batizada como todo mundo. Sua mãe tem vários anos de vida como “consagrada”, como “filha-de-santo”, como se diz comumente. Dizer que Vivaldina queria ser eleita, consagrada, é muito: ninguém o deseja a esse ponto – a vida de “filha-de-santo” é exigente. Vivaldina crê em Deus como todos aqueles de sua raça. Ela é negra. Seu sangue lhe vem de África. Sem dúvida, a fé de Vivaldina em Deus é mais complicada que a de seus irmãos de África que jamais tiveram contacto com os cristãos. Ela acredita em Olorum – o senhor daquilo que está no além. Ela lhe dá esse nome no candomblé. Exteriormente, ela o chama Deus. Pouco importa o nome, a realidade é a mesma: Deus de Quem somos provenientes, na direção de quem vamos, criador do mundo, Pai que cuida dos seus.
Para Vivaldina, esse Deus é inacessível: ele não se deixa atingir, nem ver. E Vivaldina sabe, muito bem – os seus lho disseram tantas vezes – que, na prática, a vida do homem depende muito da natureza. Seus ancestrais o sabiam ainda melhor e o camponês o vive mais do que o citadino. Mas se Deus governa o homem por intermédio da natureza, como influenciar a natureza?
Já em África os ancestrais distantes de Vivaldina sabiam que alguns seres ao mesmo tempo humanos e sobrenaturais lograram uma aliança com a natureza. Eles não a dominavam, pois não se domina a natureza. O esforço do mundo científico atual para eliminar a natureza poderá muito bem levar à morte este mundo: ou o homem realiza uma aliança com a natureza que o nutre, e ele viverá, ou ele a explora até esgotá-la, e mata a galinha dos ovos de Ouro.
Tais aliados da natureza, esses seres que lograram uma aliança, um tipo de identificação com a natureza, possuem um nome: os orixás; e uma longa história, rica de lendas maravilhosas. Dois dentre eles, Oduduwa o princípio feminino, e Oxalá o principio masculino, criaram a terra e os seus habitantes. Criaram tudo, mas com a força que lhes foi dada por Olorum, por Deus.
Vivaldina sabe, pois, que é possível ter contacto com tais forças da natureza, tanto mais que elas existem para o bem dos homens e para ajudá-los. Às vezes elas castigam, mas de forma suficientemente justa para que o homem reencontre o reto caminho. Não se tem medo do orixá; ao contrário, ele é amado.
Aqueles que conhecem pouco o candomblé falam muito mal de um orixá que eles assimilam ao diabo: Exu. Na verdade, Exu não é o diabo, mas um mensageiro. Por exemplo: quando começa uma festa, faz-se uma cerimônia que leva o nome de PADÉ e que, na língua yorubá, significa “despacho” ou “envio”. Despacha-se Exu para prevenir todos os orixás e os ancestrais que uma festa vai se realizar.
Como Vivaldina vive num ambiente de cristandade – o Brasil é o país mais católico do mundo – e por sinal ela está em contacto com pessoas que não fazem parte do candomblé, ela dá aos orixás o nome de santo. Criou-se assim um certo sincretismo entre orixás africanos e santos católicos: desse modo, Oxalá é o Senhor do Bonfim, Yansã é santa Bárbara, etc. Mas Vivaldina sabe fazer a distinção, ela não mistura. Simplesmente, é mais fácil falar como todo o mundo. É assim que falando do candomblé ela utiliza os termos de “filhas-de-santos”, “mãe-de-santo”, “pai-de-santo” para designar os consagrados e os ministros.
Um dia, Vivaldina foi assistir a uma cerimônia em louvor dos orixás: um candomblé como se diz. O “Pai-de-santo”, Obalain em seu nome africano, Paulo de Santos em seu nome brasileiro, era filho do Afonjá, lá onde mora Vivaldina.
O culto começa. As “filhas-de-santo” chegam, formam a roda, dançam em louvor dos orixás: são como as laudes do breviário, mas laudes à moda africana: cantos e danças. Subitamente, Vivaldina rola pelo chão e permanece rígida sobre o solo como morta. Ela não se deu conta de nada mas demorou muito tempo – todo o tempo do culto – inerte, coberta por um lençol, como um cadáver. O orixá tinha se manifestado. Ele se manifesta em quem ele quer. A gente não o escolhe, é ele quem escolhe.
Somente mais tarde, de noite, é que o orixá que possuía Vivaldina se foi. Doravante Vivaldina sabia: ela era escolhida. Ela devia se preparar para ser consagrada, para entrar no noviciado.
Chegou o dia. Ela entrou com quatro companheiras. Vestida com uma roupa leve mas branca, ela ocupou um lugar num canto da sala do culto, esperando a sua vez. Ela vai ser preparada para o ato de consagração, que só se dará mais tarde durante a noite. É como uma santificação da cabeça, do corpo, de todo o ser da pessoa que vai ser oferecida ao orixá, e pelo orixá a Deus.
A eleita, a consagrada deve ser um ser pleno de força. Essa força (em termos católicos, diz-se a graça) lhe vem de Deus mas lhe é transmitida pela natureza, particularmente as folhas, o sangue, o óleo.
Cantos celebrando a virtude das folhas, imposição das folhas sobre a cabeça e o corpo da escolhida, banho com todos os símbolos que a consagrada revestirá, numa água à base de folhas trituradas, lavagem da cabeça com um sabão vindo de África: Vivaldina viveu tudo isso e mesmo um pouco mais, pois a gente não pode de fato revelar tudo o que se passa.
A cerimônia cansa muito: a gente permanece de joelhos por mais de uma hora. Mas Vivaldina sabe que tudo aquilo é importante. E no entanto não passa de um começo.
A cabeça da consagrada tem necessidade de uma preparação toda especial. A cabeça é a sede do orixá e também o símbolo da consagração de todo o ser. Sua preparação possui um nome; o BORI (BORI = cabeça). Ela é ao mesmo tempo preparada e fortificada. Desta vez é o sangue que vai fortalecer, vivificar a cabeça de Vivaldina. Não é o sangue por si mesmo que dá força, mas o poder que Deus pôs no sangue. Um pouco como no sacramento. Vivaldina necessita de força, essa força é um elemento básico no candomblé: o candomblé é essencialmente depositário de força – o AXÉ, como se diz. Vivaldina tem o seu axé, tal axé lhe vem de seu orixá. Mas por sua vez, sendo fiel ao seu orixá, cumprindo os ritos para com ele, ela contribui para a manutenção e para o crescimento da força de seu orixá: é uma troca. Agora Vivaldina está pronta para o último ato e o mais importante. Os cabelos caem, o sangue corre de novo sobre o crânio nu, o orixá toma posse dela: ela se retira, ou antes o orixá se retira. Vivaldina não é mais ela mesma. Ela é o orixá que sai e dança para a alegria de todos.
Vivaldina vai passar 17 dias fechada num quarto escuro. Preparação, longe da vida, como num túmulo antes de ressuscitar para uma nova vida. Ela se lembra muito pouco de tudo isso, pois viveu boa parte disso possuída por seu orixá. Aliás, ela não pode dizer nada: as coisas do culto são mantidas secretas. Mas parece que o pouco que é dito basta para dar una idéia do sagrado e sobretudo da ausência total de todo rito dito mágico. A base de tudo é o contacto com a força que está em a natureza, a fé em Deus e nos orixás.
O orixá de Vivaldina tem um nome e todo o mundo tem o direito de saber esse nome: afinal, o orixá vem a Vivaldina, mas para todos. É após 17 dias de reclusão que se dará precisamente a festa do nome.
Tudo começará de manhã bem cedo, pelos sacrifícios. Como se diz: “o santo vai comer”. O termo é muito concreto, nas o sentido é mais místico. Isso quer dizer que o santo, o orixá, vai receber de seus fiéis uma renovação da força: cada um num gesto simbólico, põe algo de sua própria força no animal que vai ser sacrificado para servir de dom ao orixá que, assim revivificado, poderá mais ativamente ajudar os homens. Assim, cada um se sente mais próximo de seu orixá de quem só faz receber, mas a quem pode também dar.
De noite, será a festa pública. Ela se inicia pelo canto ritual: jamais podem ser omitidas tais “laudes”. É então que Vivaldina aparece, vestida de branco, um longo vestido simples e belo: O negro é um ser nobre, a filha-de-santo é uma escolhida, o vestido deve estar à altura.
Chama-se o orixá de Vivaldina. Ela vacila, tropeça, gira em torno de si mesma, parece partir deste mundo, vibra e estremece; por um momento ela parece não mais controlar-se, depois tudo se estabiliza: é o transe, é o ato de “incorporação” do orixá na pessoa, o ato sagrado por excelência – o orixá vai dançar, ele vem para isso, alegrar-se com os homens e louvar a Deus com eles.
O santo vai então se recolher no quarto em que Vivaldina permaneceu fechada durante esses longos 17 dias de preparação. Ele vai vestir suas próprias roupas. Fruto de um longo trabalho, elas são de rica fazenda, com bordados, com ornamentos dourados. É o símbolo de uma vida nova: não mais os farrapos da escrava, não mais o desprezo, não mais a cabeça baixa – o orixá transforma a vida e lhe dá sua dignidade. Ele dirá então seu nome a todos: Naná, a velha Naná, a mãe que vela por todos, o símbolo da Justiça.
Estava feito: Vivaldina cumprira todos os ritos de sua consagração. Doravante ela está devotada a seu orixá que vai acompanhá-la até a sua morte. Os dois estão unidos para sempre como marido e mulher. Até à morte. A morte que não será o fim da vida para Vivaldina, mas o começo de uma longa viagem, a qual deste mundo condużirá sua alma até à alegria de Deus.
A cerimônia fúnebre é sóbria e bela. O AXEXE (origem das origens) é não apenas um adeus mas uma ajuda para que a alma saia deste mundo em paz acompanhada por todos. O morto não será esquecido: uma parte do terreiro onde se acha o candomblé ser-lhe-á dedicada e cada vez que começar uma cerimônia, ele será saudado.
O que foi dito de Vivaldina não passa certamente de uma parte muito incompleta daquilo que ocorre no candomblé. A promessa feita de não revelar o que se passa deve ser considerada. Todavia – e é bom repeti-lo –, essas poucas indicações são suficientes pelo menos para eliminar a idéia de que o candomblé é alguma coisa de fetichista, de mágico: ele é sobretudo algo de sagrado, um culto adaptado à cultura de seus membros.
A Igreja não estava de todo preparada para reconhecer no negro-escravo a contribuição de uma religião autêntica. Não tendo podido reconhecer nos escravos “pessoas e personalidades africanas”, dificilmente podia ela admitir que esses costumes religiosos fossem portadores de uma fé, de uma salvação, de um alimento espiritual. Diante da persistência e do desenvolvimento do culto africano, a Igreja começa a se interessar por ele. Deus queira pois que não seja para tentar manipular, recuperar em seu proveito, uma religião que, por não ser católica, não é menos autêntica.
V. Anúncio do evangelho de Jesus Cristo ou descoberta de uma fé autêntica?
Deve-se ou não anunciar Jesus Cristo a um povo que tem uma fé viva recebida em seu próprio contexto cultural e que a exprime por meio dos ritos que lhe são particulares e pelos quais ele se liga enfim Àquele que é o centro de sua fé: Deus?
De boa vontade eu responderia assim: Certamente, eu tenho de viver para mim aquilo que é o Evangelho, a Mensagem que recebi na minha própria cultura e que é inteligível para mim. E tenho não apenas de respeitar os adeptos da religião africana – o que poderia ser muito negativo –, mas tenho de ver bastante força no valor de sua própria fé, de sua própria religião, para ser capaz ao mesmo tempo de estar com eles como um testemunho positivo que, em meio a tanto racismo e tanto desprezo – como branco e padre branco – lhes afirma que eles têm razão e como um membro pronto a dialogar em vista de um intercâmbio mútuo que deve levar e leva a um enriquecimento mútuo.
Evidentemente isso elimina toda preocupação de mera "conversão”.
É que de fato eles têm uma fé cujo centro é Deus. Deus Criador, Deus Providência, Deus que conduz o homem até Ele. Deus detentor da força que transmite ao homem para que, no curso de sua vida e para além de sua morte, caminhe em Sua direção. Deus, origem e fim de tudo. Mas um Deus inacessível aqui embaixo porque a gente não O vê, não O toca, não O sente tampouco em si. Um Deus que no entanto está presente e pôs na natureza, na água, no vento, no mar, nos rios, no trovão, no sangue – esses companheiros ao mesmo tempo temidos e amados de toda vida humana – toda essa força que Ele quer Comunicar ao homem para ser seu guia e seu sustentáculo na longa estrada que leva até Ele.
O negro baiano não adora a natureza. Ele se sabe submetido a ela e procura se comunicar com ela. Seu temperamento não é absolutamente de se submeter: ele quer antes de mais nada um diálogo, um meio para influenciar. Quando a gente se submete é apenas exteriormente e porque não se crê naquele a quem a gente se submete. Com Deus não pode ser assim. Para ele Deus é muito mais do que tudo.
A religião africana crê na existência de seres intermediários entre Deus e o homem. De um modo muito natural tais seres estão em relação estreita com a natureza, sacramento de Deus. Tais seres não dominam a natureza (essa vontade de dominação da natureza é produto da tecnologia), mas eles lograram uma certa amizade com a natureza, uma certa identificação com alguns de seus elementos, um com o mar, outro com os rios, com o fogo, com a floresta, etc.
Eles possuem uma história, lendas. Estão inscritos na vida quotidiana. Estão próximos dos homens porque como estes eles viveram a mesma vida. Têm seus defeitos e suas qualidades. Não são Deus tanto quanto a natureza não é Deus. Todos são intermediários, mas ao alcance do homem. Estão próximos sobretudo porque vêm encarnar-se no homem. Eles “baixam” no homem e fazem que o homem, por algumas horas pelo menos, se transforme neles. Eles vêm para que alguns se consagrem a eles, testemunhem sua existência, e mantenham viva sua lembrança no meio de todos.
Eles vêm também para mostrar sua participação na vida dos homens. Vêm comunicar a força de Deus, mas também para dançar e cantar com os homens durante cerimônias que são louvores a Deus.
Sua presença manifesta ao mesmo tempo o interesse de Deus pelos homens e a própria dignidade destes.
De fato onde o escravo foi buscar a manutenção de sua dignidade, a despeito do horror que foi a escravidão? Onde os descendentes de escravos vão buscar a inegável dignidade que os caracteriza em face do homem branco que jamais cessou de cercá-lo com um desprezo tanto mais profundo quanto mais sutil? Só pode estar – pelo menos numa boa parte – no fato de que eles são eleitos das divindades que chegam até eles, em seu meio, para eles, em nome de Deus.
Esta fé se exprime mediante uma religião, uma estrutura religiosa. Situando-me no âmbito da Bahia, eu a chamo: Religião Africana. Isso não implica que ela seja A religião africana. Se, conforme já o assinalei, chamam-na aqui “culto afro-brasileiro”, ter-se-á nisso todo um procedimento político-social que não cabe explicar aqui. Essa religião é essencialmente africana. Chegou ao Brasil aí pelo início do século XVIII com os escravos saídos do país Yorubá, terra que se situa ao norte da atual República do Benin e ao sul da Nigéria. Como toda grande religião, a africana tem a sua terra de origem.
O culto praticado na Bahia e na África ainda hoje é o mesmo: as diferenças decorrem de circunstâncias da vida de escravidão e em nada afetam as estruturas básicas. Essa religião tem seus ritos de iniciação, seus ritos de acompanhamento da vida e seus ritos mortuários. Ela possui uma parte de louvores e outra de sacrifícios.
Estamos aí, certamente, num mundo completamente diferente do nosso, mas é que estamos também numa cultura completamente diferente. O Africano recebeu Deus em seu contexto peculiar e se exprime religiosamente com elementos desse contexto.
Evidentemente, a religião africana como tal não fala nem da Igreja nem de Jesus Cristo. Contudo, nem a Igreja nem Jesus Cristo são rejeitados pelos indivíduos ou pela religião africana. Laços muito estreitos foram mesmo criados entre uns e outros.
O descendente de escravos conhece a Igreja como uma velha amiga. Seus ancestrais a encontraram mesmo sem a conhecer, isto é, sob a forma de uma imposição, algumas vezes mesmo desde a partida de sua pátria. Posteriormente, eles a conheceram por seus senhores, muitas vezes seus únicos catequistas, pois que a Igreja se descarregava sobre eles do cuidado espiritual de seus escravos. Obrigatoriamente eles iam à capela do engenho, em seu lugar é claro. Alguns eram escravos dessa mesma Igreja. Diz-se curiosamente que todo negro que leva o nome ‘Dos Santos’ é descendente desses escravos ‘dos santos’. Com efeito, a Igreja fez parte da vida do escravo e o costume permaneceu entre seus descendentes. Era a pertença à Igreja que os fazia um pouco como o branco. Eis por que eles continuam ainda a buscar no batismo um status social. O pagão não é aquele que não possui a graça, mas aquele que não é um pouco como o branco batizado. Eis a razão pela qual eles se afirmam católicos. Absolutamente isso não quer dizer que renegam sua própria fé, mas sim, que eles não opõem as duas filiações.
Jesus Cristo não é de todo um desconhecido para eles, mas parece claro que o Jesus Cristo que nós conhecemos dificilmente entra em sua concepção: eles o assimilam a uma de suas divindades, aquela que por delegação de Deus é o criador de toda vida.
É evidente que a religião africana na Bahia não reúne todos os descendentes de Africanos, mas ela os marca todos. É curioso notar que as diferentes seitas que proliferam têm todas pontos comuns com a religião africana. No fundo, é nela que o negro baiano recebe a Deus, tem contacto com o sobrenatural: a ele está à vontade – é a sua linguagem, a sua maneira de se exprimir, de compreender a vida. É nela que ele é ele mesmo.
Querer “convertê”-lo seria buscar fazê-lo passar de uma religião recebida e vivida em sua própria cultura para uma religião recebida, pensada, vivida numa cultura diferente.
Isso nos leva evidentemente a repensar certas noções.
– Deus salva o homem. Deus salva o descendente de africanos na Bahia primeiro salvando-o dos outros, do branco em Particular. Ele lhe dá sua dignidade e o sentido de seu valor, ele o faz erguer a cabeça e pouco a pouco ocupar seu lugar na sociedade brasileira, tão cosmopolita mas dominada pelo valor "branco”. Deus salva guiando, conduzindo ao termo. Isso quer dizer que Deus salva por meio da própria cultura de cada povo, e portanto ele fala a linguagem desse povo. Deus não é estranho ao homem e o homem não é estranho a Deus. O que supõe uma relação entre Fé e Cultura. Se o objeto da Fé não muda, o conteúdo pode ser diferente já que a maneira de receber o objeto da Fé é diferente. Existe uma única Verdade mas captada de um modo distinto segundo as culturas. O Ocidente crê, com demasiada facilidade, que a sua maneira de captar a Verdade é a única válida, e assim atrofiou a possibilidade de criatividade no seio dos povos que ele contactou.
Quando essa criatividade se exerce, vai pois num outro sentido: disso dá testemunho a proliferação num mundo branco ou amarelo de uma religião saída da religião africana – a Umbanda.
As comunidades de base, uma vez liberadas de presenças ocidentais, se orientarão sem dúvida rumo à busca de uma expressão de fé que lhes será própria.
– A universalidade da Igreja quer dizer que todo homem “pode” nela entrar, aderir a seus dogmas e a seus ritos. Mas isso quer dizer também que a Igreja é de tal modo dona da Verdade que toda cultura deve se dobrar às suas estruturas, à sua maneira de pensar e de viver? A Igreja é Romana não apenas porque o Papa está em Roma, mas porque ela nasceu em Roma. Roma é a Europa; porém, Ela não é nem a África, nem a Ásia, nem a Oceania, nem a América.
A universalidade da Igreja permanece ligada numa certa medida ao dogma da supremacia da raça branca.
A maneira espantosa como a religião africana se conservou na Bahia, o contacto muito livre de seus fiéis com a Igreja, sem contudo nela se integrarem não leva a negar a universalidade da Igreja mas incita a refletir.
– Jesus Cristo: a religião africana não fala de fato nele ou, se fala, é referindo-se a uma outra pessoa.
Nós, católicos, acreditamos que a salvação vem de Jesus Cristo e por Jesus Cristo. Mas nós sabemos também da gratuidade da redenção. Essa noção de redenção é, aliás, mui estranha à mentalidade dos descendentes de Africanos: a relação de força entre eles e a natureza não inclui uma falta original; a possibilidade de contacto com o sobrenatural não pressupõe um perdão prévio.
Mas se eles não estão conscientes de quem é Jesus Cristo e menos ainda de sua obra redentora, em compensação estão bastante convencidos daquilo que nós só descobrimos por intermédio da mensagem de Jesus Cristo: Deus que parece longínquo está próximo; Deus não conhece a morte; a vida triunfa. Tudo isso é deles conhecido em sua própria estrutura. Jesus Cristo exigiria, a despeito da gratuidade de sua redenção, ser conhecido como o mensageiro? O dom não poderia ser recebido sem que o doador fosse conhecido? Jesus Cristo não ignora o problema das culturas e sua encarnação o respeitou: ele se ligou a um mundo determinado.
Tudo isso que parecem afirmações e que apenas está no estado de questões não é todavia novo. O interesse reside em refletir a partir de um contexto concreto. No final de contas a gente pode sem dúvida indagar se vale a pena, como padre, estar assim misturado com a religião africana na Bahia. Haveria talvez outra coisa a fazer: outros “campos de apostolado”?
Estar a serviço de um povo – que a gente só pensa em dominar e desprezar –, contribuir para lhe dar orgulho de sua religião tornando-a conhecida dos outros e (talvez) da Igreja como religião autêntica, dar assim valor à raça desse povo, parece-me motivo amplamente suficiente para estar feliz em que as circunstâncias me tenham trazido para cá.
Estar com os negros da religião africana significa estar a seu serviço. É na verdade a única maneira de se situar, e eles pensam assim. Impossível de se assimilar, de mudar sua estrutura mental, sua própria cultura. Seria aliás negar-se a si mesmo. Tudo, a começar pela cor da pele, faz ser estranho, e o negro pensa que é uma honra para o branco estar a serviço de suas divindades e de sua religião.
Somente nessa medida se podem estabelecer laços de confiança e de amizade. Aliás somente na medida em que ninguém renuncia à sua fé, a professa, a pratica respeitando a fé do outro, tendo confiança na fé do outro, de uma maneira natural, ao longo dos dias e das circunstâncias, é que se entabula uma troca um diálogo, e se obtêm como resultado o aprofundamento, o crescimento, a convicção da fé de cada um.
Por exemplo, é certo que a noção de Deus entre os descendentes de africanos na Bahia é diferente daquela de alguns de seus parentes de África que não têm com a Igreja a mesma “convivialidade”. Por outro lado, nossa fé católica se simplifica, se liga mais à vida; Deus mesmo se torna mais próximo, mais vivo, menos racional no contacto com a religião africana.
A gente não prega nem a Igreja nem Jesus Cristo, quando se está no meio dos fiéis da religião africana, mas a gente mesma é levada a uma nova descoberta do que é a Igreja e de quem é Jesus Cristo.
VI. Algumas observações de ordem teológica para ajudar a se situar em face da religião africana
a) Na verdade, por que pensar que a mensagem cristã é a única mensagem de Deus aos homens?
Evidentemente, a mensagem cristã, por mais autêntica que seja, foi recebida num contexto e numa determinada cultura. Depois, ela foi repensada em termos gregos e romanos. Com muitas dificuldades ela foi traduzida e retraduzida em línguas ocidentais e até hoje não chegamos a compreendê-la perfeitamente. Mas estamos à vontade com ela pois nos chega em termos assaz familiares e se nos apresenta dentro de nossa mentalidade.
Mas para as outras culturas: será que as palavras, mesmo traduzidas, são felizes portadoras da mensagem? Os outros não terão então direito a uma mensagem adaptada à sua mentalidade? Não terão também direito de escutar Deus lhes falar como eles falam e não como os europeus falam?
A Igreja não é romana apenas porque o Papa está em Roma, ela é romana por direito de fundação. Roma não é nem a África, nem a Índia, nem o Oriente, nem a Arábia.
Ora, Deus fala a língua dos homens e de todos os homens. Deus salva por intermédio das culturas e as culturas são diferentes umas das outras.
b) É certo – e é um ponto importante – que o candomblé não dá lugar a Jesus Cristo. Mas ele não O nega. Ele não Lhe atribui a importância que nós Lhe damos, mas também não O rejeita. O candomblé não é sectário.
Seria então falta de respeito levantar as seguintes questões: Jesus Cristo salva por si mesmo ou por Deus? Em última instância, Jesus Cristo manifesta a salvação oferecida por Deus aos homens.
Jesus Cristo salva e o faz gratuitamente. Será então que, para ser efetiva, válida, aplicável, essa salvação oferecida por Deus e manifestada por Jesus Cristo exige que cada um chegue ao conhecimento de Jesus Cristo? Jesus Cristo somente salva sob a condição de ser conhecido? Ou será que Jesus Cristo salva vivificando todos os outros meios de salvação?
Seria interessante ver como, de fato, aqueles que estão misturados ao Islão (e ao Hinduísmo) caminham por essas mesmas veredas.
c) Qual deveria então ser a atitude da Igreja em face do candomblé, em face da religião africana?
Talvez, em primeiro lugar, ser mais Irmã do que Mãe Universal. O ecumenismo integral é problema de fraternidade. A Igreja nasceu mãe e filha única. Ela não teve nem irmãos nem irmãs: muitas coisas mudariam se Ela aprendesse a ser irmã de família numerosa.
Compreender o sincretismo. A Igreja está convencida de que o sincretismo resulta de uma influência cristã, de uma espécie de presença dela mesma no seio da família africana. Por sincretismo, entende-se o costume dos descendentes de Africanos atribuírem nomes de santos cristãos aos seus orixás e receberem o batismo e freqüentarem a Igreja. É desse modo que a Igreja pensa que algo de cristão se introduziu no culto africano.
Contudo, parece que há algo de equivocado nisso. Durante séculos, o culto africano foi proibido e perseguido. Os escravos tiveram então a idéia de atribuir nomes cristãos às suas divindades, podendo assim dançar e cantar tranqüilamente em sua honra. O costume dos nomes continuou. Todavia, tanto quanto anteriormente, os membros da religião não confundem uns e outros. Se eles unificam não é para fazer do orixá um santo católico, mas muito mais do santo católico um orixá. A assimilação se faz em favor do candomblé.
Se o uso do batismo é prestigiado no candomblé, isso não tem nada a ver com um engajamento em relação à Igreja, porém, por mais curioso que possa parecer, é antes de tudo uma possibilidade de poder participar do candomblé. Para o descendente de africanos, o batismo representa o reconhecimento de sua qualidade de pessoa.
Quem não é reconhecido como pessoa não pode entrar no candomblé. Ser pagão quer dizer não ser reconhecido como pessoa Com efeito, é que no tempo da escravidão o batismo era a única diferença feita pelo branco entre o animal e o escravo. O batismo confere identidades e ser um pouco como o branco. Alias, o Africano gosta de ir à Igreja ou pelo menos ele ai vai sem desprazer. Esse Deus é bom, seus santos também: por que desprezá-los?
A Igreja se engana fortemente ao interpretar um suposto sincretismo a seu favor. Se existe um sincretismo, ele está no interior mesmo do candomblé, que fundiu num só rito ritos de origens diferentes segundo as tribos do país yorubá, porém de mesma estrutura básica. Por sinal, a Igreja não agiu diferentemente, ao longo de sua história.
Compreender o sincretismo é também, para a Igreja, compreender um dever de justiça: foi Ela que impôs outrora esse batismo que se tornou doravante misturado à vida do descendente de africanos. Pode Ela então recusá-lo sob o pretexto de pureza doutrinal? Seguramente que não.
d) A Igreja quer converter porque de fato Ela continua a se crer “A” fonte da salvação. Não seria melhor que cada um vivesse o que ele é? Viver sua própria fé e não forçar os outros a se converter para sua própria fé?
e) Enfim, como “irmã”, a Igreja deveria saber dialogar com a religião africana. O que seria benéfico para o candomblé que vive freqüentemente num mundo pobre e afastado de muitas pessoas. Seria benéfico também para a Igreja: o mundo da religião africana é um mundo de fé vivida – a Igreja aí pode aprender muito.
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APÊNDICE
DIALOGO COM FRANCOIS DE L'ESPINAY
Q.: Quais são os principais valores característicos que você descobriu entre os Brasileiros Africanos?
R.: a) Eles pensam mais com o coração do que com a cabeça.
b) Seu aproche é essencialmente concreto. É preciso tocar para conhecer.
c) Eles não são de modo algum individualistas mas profundamente comunitários e a comunidade abrange a terra, os mortos e os ancestrais. De fato, estes últimos fazem parte da realidade do terreiro. Existe uma relação dos ancestrais com a terra. Foi assim que o culto dos ancestrais indígenas (os índios do Brasil) (o culto caboclo) se ligou à terra do Brasil. Por comunidade, eles entendem a natureza total. -
d) A beleza da dança. Sua prece se situa no movimento. Sua teologia está unida ao rito religioso.
e) Eles são dirigidos pela natureza. A gente não a domina, mas sim, fala com ela. Ela é a mediadora entre Deus e o homem. A gente se casa às forças da natureza (os orixás). Não se adora a natureza, mas vai-se a Deus por ela. Os orixás são um ideal de vida para eles e eles se identificam com os orixás. Há um Orixá apropriado para cada um. É uma relação de marido-mulher com o orixá; não é um sacrifício expiatório, mas a gente dá sua Vida ao orixá e este dá a sua.
f) O que mais me impressiona é a sua fé. Minha responsabilidade pastoral está em ajudá-los a redescobrir sua própria identidade. Dado que se redescobre sua identidade primeiramente em sua religião, meu dever é o de ajudar para que eles sejam verdadeiros filhos-filhas do candomblé e o de ser o porta-voz do candomblé junto à Igreja.
Q.: Que foi feito de sua cultura econômica e política africana?
R.: Ela foi suplantada pela cultura branca. Só a religião africana permanece.
Q.: Certo que o colonialismo visava à deculturação e ao desenraizamento e que provavelmente teve êxito no plano das instituições africanas, mas terá ocorrido o mesmo no nível mais profundo de seus valores políticos e econômicos próprios?² A cultura econômico-política dos povos é constituída de raízes muito mais profundas do que as suas formas exteriores e suas instituições. Não se daria assim sobretudo com a cultura africana? Não se desenraíza tão rapidamente semelhante baobá!
Não teremos geralmente no Ocidente tendência a subestimar a cultura econômica e política africana? Com efeito, não a conhecemos com bastante profundidade para poder formular um juízo sobre sua existência, ou seu desaparecimento. A maioria dos ocidentais jamais se inclinou seriamente sobre essa dimensão da cultura africana; tanto mais que, em sua visão evolutiva do mundo, eles crêem a priori que ela constitui um período superado da história econômico-política e humana.
No Brasil, diz-se que a religião africana sobreviveu. Mas a África não separa religião e política, religião e economia. Também tenho dificuldade em acreditar que a religião africana possa subsistir sem pelo menos algumas de suas dimensões políticas e econômicas; o Africano é concreto demais para separar religião da organização comunitária e da relação com a terra.
No plano econômico (falo da relação da África com a terra), não existiria no orixá um principio de filosofia econômica que perdura, a saber, o de uma relação harmoniosa com nossa mãe a terra, mais do que uma atitude que a encara como inimiga a superar, transformar e vencer? Não acumular e não fazer reservas, vivendo no dia-a-dia, não seria um princípio de cultura econômica africana que perdura? A atitude de não-propriedade em face da terra (nós somos os seus usuários e os guardiães mais do que os proprietários) não explicaria em parte a dificuldade que parecem ter os negros de aceitar a propriedade de suas terras e de suas casas, quando isso lhes é permitido? (Era Hoornaert que nos assinalava essa atitude de ocupação-sem-propriedade, em Recife).
O Conselho dos velhos, elemento de organização política, não estaria ainda presente, no terreiro de Balbina, por exemplo? E a comunidade tribal e clânica não se reencontraria ainda nos terreiros (organização política baseada sobre a relação familial: pai e filho de santo...)?
E o caráter rural de suas cidades? E a arquitetura africana das casas? E o tempo africano e a organização social brasileira? O sentido da festa não viria em grande parte da África?
Seria uma pena só reconhecer uma sobrevivência religiosa africana no Brasil e desprezar o patrimônio político e econômico próprio e original dos Africanos. Patrimônio que, por certo, deve ter sofrido os piores assaltos destruidores no plano institucional e morfológico, mas que talvez esteja muito mais vivo do que ousam crer e pensar os brancos (e os próprios negros), no nível da cultura profunda.
R.: (Continuamos a esperar a resposta de François de l'Espinay...).
NOTAS:
* A publicação deste trabalho do falecido Padre François de l’Espinay, assim como a de seu artigo publicado na REB de setembro ’87: “A Religião dos Orixás – outra Palavra do Deus Único?”, tornou-se possível graças a uma iniciativa da CEHILA-Popular (Comissão de Estudos da História da Igreja na América Latina – Projeto de Edições Populares), que resgatou os artigos escritos em francês, os preparou para a edição e providenciou a tradução. Pretende-se, com esta iniciativa, oferecer aos leitores da REB elementos de reflexão por ocasião da Campanha da Fraternidade/1988 (Nota de Eduardo Hoornaert, Coordenador da CEHILA-Popular).
O testemunho que apresentamos aqui reúne três textos, jamais publicados pelo autor e que são o fruto de uma experiência de quatro anos como membro de um 'Candomblé' da Bahia; um primeiro, intitulado: “Igreja – Negro – Evangelização”, escrito em 1978 e destinado aos bispos do sul da América Latina; o outro: “Religião Africana em terra da Bahia. Anúncio do Evangelho de Jesus Cristo”, escrito para um Colóquio da Missão de França. O terceiro é uma série de “Notas sobre o sincretismo religioso na Bahia”. Ajuntamos a isso algumas notas que tomamos quando de uma conferência do autor, no Simpósio organizado por Dom Helder Câmara, em Recife, de 6 a 7 de julho de 1979, e que tratava do Brasil Africano e Indígena. Esse trabalho, afirma o autor, está longe de ser exaustivo. Não passa de uma primeira e rápida apresentação, destinada a ser lida facilmente por aqueles que estão mais ou menos informados sobre o que é a religião africana na Bahia e que estão centrados no dever de evangelizar. (Nota da Redação).
1. Literalmente: “a terra da força de Afonjá (Xangô)”.
2. Cf. Ali A. Mazrui, The Cultural Fate of African Legislature: Rise, Decline and Prospects for Revival, em Présence Africaine, n. l. 12. p. 26-47; também C. Bimwenyi Kweshi, que distingue três instâncias de mudança: o nível morfológico, o nível das instituições, o nível das significações, maiores; em Avènement d’une nouvelle proximité de l’improbable (Civilisation Noire et Église Catholique), Présence Africaine, 1978, p. 124–133
Fonte:
De l'Espinay, François. Igreja e Religião Africana do Candomblé no Brasil. Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 47, fasc. 188, Dezembro de 1987. p. 860-890.
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